domingo, 27 de dezembro de 2009

2010


"Nego submeter-me ao medo,
Que tira a alegria da minha liberdade,
Que não me deixa arriscar nada,
Que me torna pequeno e mesquinho,
Que me amarra,
Que não me deixa ser direto e franco,
Que me persegue,
Que ocupa negativamente minha imaginação,
Que sempre pinta visões sombrias.

No entanto, não quero levantar barricadas por medo do medo.
Eu quero viver, não quero encerrar-me.
Não quero ser amigável por medo de ser sincero.
Quero pisar firme porque estou seguro.
E não porque encobri meu medo.
E quando me calo, quero fazê-lo por amor.
E não temer as consequências de minhas palavras.
Não quero crer em algo só por medo de acreditar.
Não quero filosofar por medo de que algo possa atingir-me de perto.
Não quero dobrar-me só porque tenho medo de não ser amável.
Não quero impor algo aos outros, pelo medo de que possam impor algo a mim.
Por medo de errar não quero tornar-me inativo.
Não quero fugir de volta para o velho, o inaceitável, por medo de não me sentir seguro no novo.
Não quero fazer-me de importante porque tenho medo de que senão poderia ser ignorado.
Por convicção e amor quero fazer o que faço e deixar de fazer o que deixo de fazer.

Do medo quero arrancar o domínio e dá-lo ao amor.
E quero crer no reino que existe em mim."

Rudolf Steiner


Um novo ano de muito destemor para aceitar e deixar-se transformar pela vida.
E muita lucidez para que possamos ir além, tornand0-se cada vez mais parte de um Universo.


Om gate gate parasamgate bodhi soha

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Natal



"My gurudev

I offer these flowers of my faith at your feet

Whatever I have, you have given to me,

and I dedicate it all to you.


I have no love

Nor do I truly know you.

I don't even have the strength
to worship you.


You are the one
who is in my heart
and in my thoughts.
You are the one who I call out to.
Now make me your instrumento



Everything I am is dedicated to you."


Mere Gurudev


Eu desejo um nascimento novo a cada novo olhar para o mundo e destemor para se deixar transformar pela realidade mágica da vida.

Que todos os seres possam ser tocados, ao menos por um momento, por lucidez e paz.


Namastê



quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Ouvir o corpo



"If you really faced the world as it is you would find it something infinitely greater than any philosophy, greater than any book in the world, greater than any teaching, greater than any teacher"


To be human - Krishnamurti

No caminho da experiência direta ficamos muito mais de perto com a volatilidade das emoções, os impulsos, o aparecimento dos nossos carmas. Tenho procurado experienciar mais e mais todo conhecimento adquirido, teoria estudada e, depois de passar por uma fase mais cognitiva, descubro o caminho do corpo.
A mente ficou sobrecarregada, as emoções inflmadas e o corpo... tinha me esquecido que tinha um! Algumas dores e sensações desconfortáveis me mostraram que é uma "caixa preta", em cada cantinho está uma informação valiosa sobre cada "acidente" de percurso. Esses "acidentes" são as inúmeras vezes em que a vida não flui, a enegria fica estagnada, e a alma (e o corpo) contrariados reagem em forma de dor.
A mão da terapeuta desobstrui os pontos dolorosos, faz o chi circular melhor, a energia se alinhar e fluir, mas isso é apenas um instrumento esporádico. Não me bastavam mais os paleativos, a vida tem me pedido estrutura, e eu, subestimado meu corpo a papéis tão menores do que o que ele realmente pode alcançar em todo seu potencial.

Então chegou a hora de ouvi-lo.

Primeiro passo, silêncio. Deitada, sentada, no banho, meditando, saber silenciar para ouvir o que ele quer tanto me dizer e assim não precise mais gritar. Sim, porque a dor é um berro do corpo por atenção.
Sempre fiz muitas atividades físicas e de uns tempos pra cá, por incrível que pareça, estava tão dedicada ao espírito, 'a lógica e aos sentimentos que me esqueci de cuidar dele nesse sentido. Fui para o extremo oposto, de alguém que cuidava até em excesso do seu corpo, por prazer e por estética a alguém que achava que o corpo podia esperar mais um pouco. Foi uma surpresa pra mim perceber o quanto tenho sido negligente com meu próprio corpo e o quão profundo era esse fato...
Comecei então, a sentir meu corpo como ele é agora e o que ele estava pedindo. Por ironia, era o que todo resto pedia: mê dê estrutura e eu poderei fazer o que quiser.
Já que o processo todo pede por estrutura, por que não começar por ele? E daí para as áreas mais sutis, o processo vai seguindo por consequência... (e vice-versa)

Segundo passo, fazer todas as atividades com mais consciência. Isso significa um ritmo muito mais lento para a atenção e a  respiração estarem em harmonia e para os efeitos serem realmente duradouros. A partir disso, todo dia tenho uma experiência de metáfora com ensinamentos do meu próprio corpo, vou citar alguns exemplos práticos:

- Para melhorar a postura das minhas costas e não sobrecarregar a cervical, preciso encaixar meus ombros de uma forma que eu não precise tensionar pra manter. Se o encaixe for correto, há relaxamento depois e a postura se mantém sem força, caso contrário, aciono a musculatura e a vértebra errada e vem a dor. Não é assim com a maioria das situações? Se colocamos o que parece caótico em seu devido lugar ao mesmo tempo em que entregamos ao processo natural da vida, não ficamos mais relaxados, mais leves?

- Para aguentar uma sobrecarga, preciso contrair muito bem o abdomen com a lombar pra formar a base de sustentação de qualquer exercício de força. Não deveria ser assim quando a coisa fica pesada na vida, lembrar da base, se posicionar e fazer o que tem que ser feito?

- Para cada movimento há o tempo de respiração correto, apenas fazer mecanicamente, sem atenção na respiração é como se não estivesse fazendo ou acabo sentindo dores depois.
Não é um pouco assim com as situações impulsivas em que mal respiramos antes de tomar uma atitude? Sem presença e consciência da ação não temos experiência, não incorporamos nada e ainda sofremos.


Em terceiro lugar, observar as reações emocionais.  Na relação com as pessoas e o mundo estão juntas as reações físicas, a respiração e uma sensação, e observando cada vez mais a qualidade dessas sensações, acabamos por desenvolver uma espécie de "semáforo" interno, sabendo a hora de parar, pausar ou seguir. Observando o que o corpo avisa sente -se mais leveza, pois não há apenas reação a um estímulo externo e cessão aos impulsos e sim a escolha consciente da energia a ser empregada em cada situação. Isso é a verdadeira fluidez, nem desperdício nem economia, apenas a energia necessária para determinado fim. A famosa lei do mínimo esforço na espiritualidade, que nada tem a ver com torpor ou acomodação, mas sim com uma mente atenta, consciente.

Parece que o caminho da integridade e da inteireza é sempre a junção de muitas práticas, as vezes vamos descobrindo uma a uma, indo a extremos, voltando para um início, enfim, cada um a sua maneira. Então não tenho muita saída ultimamente a não ser dedicar mais atenção e disciplina as minhas experiências, se quero tanto descobrir por mim mesma o que os mestres dizem.
Experimentar por si tudo o que se aprende, lê, ouve com a prática diária em situações corriqueiras e cotidianas é bem poderoso. E isso pode acontecer dentro de uma academia fazendo um exercício olhando no espelho, dirigindo o carro, lavando a louça, numa festa, num momento íntimo e não apenas em posição de lotus ou numa sala de yoga...

Colcando o corpo 'a serviço da consciência sinto que honramos ainda mais nossa existência e caminhamos apropriados e empoderados das transformações que a sabedoria nos traz.


"Meditar é simplesmente treinar nosso ser para que a mente e o corpo possam estar sincronizados" Chogyam Trungpa



P.S: Dedico a Mila, Erica e Ana que são muitas vezes as intérpretes do meu corpo pra que eu possa cuidar dele melhor, obrigada!
Dedico ao meu amado companheirinho Simba, que faz aniversário hoje, e cuja fluidez de movimento é admirável.


quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Verdade nua e crua




Assisto ao filme "Verdade Nua e Crua" em cartaz nos cinemas com Katherine Heigl (de Grey's Anatomy)
e Gerard Butler (de P.S. I Love You). Filme divertido e com boas reflexões sobre os relacionamentos sem ser piegas. Mike é o esteriótipo do machão, meio chauvinista, com suas teorias prontas sobre relacionamentos. Abby é o oposto, romântica, idealizadora e ansiosa por encontrar seu príncipe encantado. Tanto faz quem diz o que é realidade ou ilusão, o mais interessante acontece no movimento que os levam a outras descobertas no decorrer da história, de uma forma bem divertida.

Os clichês servem pra nos situar sobre algumas "realidades" que podemos levar em consideração quando nos relacionamos com o sexo oposto, mas vale o cuidado para não nos prendermos a "receitas de bolo". Entre os machismos, feminismos, biologia, história, genética, entre todas as convenções, especulações e afirmações sempre há um componente de zilhões de possibilidades altamente pessoais, fora dos padrões e do nosso controle, que unem duas pessoas. Particularmente isso se resume a duas perguntas: aonde você quer chegar e o que você quer de um relacionamento? O contato com essas respostas podem nos levar a verdades nuas e cruas, não às de um senso comum, mas às nossas próprias. ;-)

Assim, se focarmos na conquista, saibamos que por ali vamos ficar praticamente em círculos, num jogo que tem limite, mas pode se repetir diversas vezes. Seduzir com foco apenas na conquista, com estratégias como dita Mike, pode até ser bem sucedido, mas é algo limitado, afinal seduzir exige mais habilidade que talento, pois todos nós nascemos com alguma capacidade natural. Além disso há muitos artifícios para se lançar mão quando esse lado não é bem desenvolvido, vide a quantidade de pessoas que ensinam técnicas e dão dicas sobre o assunto. Com isso não quero diminuir o valor dos jogos de sedução mas levar o leitor para outros lugares além desse ;-)
Se o foco for em se relacionar, os caminhos mudam completamente. Esse terreno é tão surpreendente, desconhecido e fascinante que nenhuma regra vale na prática, não enquanto se vive uma relação.  Relacionar-se exige uma transformação tão constante, além de atenção e principalmente consciência, que requer (muita)  disposição e coragem para viver essa vulnerabilidade. E tudo isso com um grande risco de frustração. ;-)

Seja na realidade de Mike ou na fantasia de Abby em ambos há a idealização ou no mínimo uma projeção de situações do passado. Isso é bacana de ver no filme, como muitas vezes somos reféns das frustrações anteriores e como isso cria modelos e padrões em nossa forma de ver e a agir no presente. Então me ocorre algo dos ensinamentos espiritualistas: o estar no momento presente. A presença e abertura para estar pleno naquele momento, naquela relação e com aquela pessoa é uma forma de se permitir experienciar o que de fato existe na relação em que estamos vivendo e não fantasiar tanto como será no futuro baseada nas informações de um passado. E quando alguém desperta algo em nós parece que automaticamente nos entregamos a aventura cheia de terrenos acidentados sem precisar se apoiar tanto em modelos ou idéias preconcebidas. Quando acontece um encontro, todas as instruções de Mike e as neuras de Abby vão por água abaixo. O problema é que deturpamos essa conexão incial com o passar do tempo, conforme nossas inseguranças são desafiadas pela impermanência das situações.

Mas o que tem a relação de Mike e Abby de interessante para que eles terminem juntos?

Mike sabe os pontos fracos de Abby, suas neuras, obsessões. Abby sabe o lado cru de Mike, que a princípio a choca muito. Quando começam a trocar sobre seus universos, o primeiro ponto de conexão acontece. Mike com seus conselhos, estava tentando trazer o melhor de Abby a tona. Abby, mais solta, se relaciona de outro lugar com Mike, não mais a neurótica e controladora somente, mas também mulher, segura, divertida e por isso muito sexy (não só por roupas e cabelo, mas por ter se apropriado de um lado adormecido que a fez brilhar). Abby passa a ter menos preconceito e mais curiosidade por Mike, conforme a troca entre eles se aprofunda e quanto mais segura Abby se torna, mais se relaciona de igual pra igual com Mike que então se sente cada vez mais a vontade com ela, e isso é absolutamente sedutor, não há nada mais sexy do que pessoas inteiras.
O ponto de conexão fatal é na viagem em que Mike conta sobre suas experiências para Abby, então ela entra em contato com o "verdadeiro" Mike, tê-lo assim mais exposto e ainda espontâneo é mais uma conexão que desencadeia toda "química" que os coloca como homem e mulher a partir dali.

Sem medir forças, para o homem parece mais difícil estar com uma mulher numa vulnerabilidade que julgam ameaçar sua virilidade (quando é exatamente o contrário). Nós, em contrapartida, temos muitas inseguranças do quanto esse homem está com a gente mesmo. Intuitivamente o que me ocorre é que tendemos diante da força/fraqueza masculinas a oscilar entre a mãe e a filha deles (e o inverso também acontece). Um bom caminho pode ser o acolhimento.
Diante de um homem que você realmente se conecte, acolher o que considera "fraqueza" ao invés de simplesmente apontar e criticar. Trazê-lo para perto para que possa se mostrar como é e se sentir a vontade em sua companhia, sem precisar dizer como fazer como uma mãe ou numa postura carente como uma filha. A mulher que está ao lado dele, com seus medos e seguranças.
Diante de uma mulher que você realmente se conecte, sorrir para as durezas que aparecem em forma de excessos. Contornar habilmente as resistências e tirá-las pra dançar. Trazê-la para perto mostrando que você está inteiro com ela, sem ser muito  imperativo como um pai ou infantil como um filho  que quer aprovação. O homem que está ao lado dela, com todos os medos e seguranças.

A cena da dança é a mais bonita do filme, quando os papéis ficaram na cadeira e na pista estão apenas um homem e uma mulher deixando suas "primeiras intenções" falarem mais alto. Essas intenções surgem da inteireiza de cada um e possibilitam a liberdade de transitar entre a sedução, os jogos sem que isso seja a receita de bolo daquele momento. ;-)



P.S: Dedico a tudo que aprendo na convivência com os homens.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Medo




"O caminho da covardia consiste em nos embutirmos num casulo, dentro do qual perpetuamos nossos processos habituais. Reproduzindo constantemente nossos padrões básicos de conduta e pensamentos, jamais nos sentimos obrigados a dar um salto ao ar livre ou em direção a um novo campo." Chogyam Trungpa


Falar sobre o medo é sempre mais fácil, pois assim o medo é uma idéia, um conceito. Assumir o medo com a profundidade que ele tem é o verdadeiro desafio e reconhecê-lo e abraçá-lo, muitas vezes algo que parece impossível. A beleza dentro das manifestações dos venenos da mente, é poder acolhê-los em você e nos outros, num ato de coragem. Não 'a toa a palavra destemor esteja tão presente na espiritualidade.
Convido vocês a tatearem, saborearem, olharem, ouvirem, sentirem o cheiro do medo.

Tentamos controlar, esconder, camuflar o medo pelo excesso ou pela falta. Dentro da impermanência da vida pude vivenciar recentemente algumas facetas dos medos de outras pessoas e, consequentemente, dos meus.
Numa situação, acompanhei uma pessoa que não conhecia num de seus maiores medos: escuro e da possibilidade de ver "coisas" no escuro. Ela queria viver a experiência mas tinha muito medo, a única possibilidade era se tivesse uma acompanhante, então me ofereci para acompanhá-la por ver nos olhos dela o tamanho da vontade de enfrentar aquilo. Ela confiou em mim de uma forma que me tocou muito e então fomos deixadas numa estrada sem iluminação, nas montanhas, onde me propus a acompanhar essa mulher.
Não entro em muitos detalhes pois seria leviano da minha parte com a grandeza da experiência. Ela permaneceu agarrada ao meu braço a maior parte do tempo mas nossa experiência foi mais leve do que imaginávamos por dois motivos fundamentais: confiança e solidariedade. Não sei os reais efeitos de ter experimentado o escuro pra ela, mas posso dizer que é uma pessoa de muita coragem onde o medo só fazia sabotar. Os fantasmas e marcas construídos por muitas experiências dolorosas de vida eram como aquela escuridão: ao acender a luz você saberia que um tronco de árvore não era um espírito e um cupinzeiro não era um gorila. Ela me achar tão corajosa e se achar tão medrosa era exatamente isso: dependendo de onde se jogasse a luz poderíamos ambas ser um ou outro. Saí dos meus fantasmas particulares para me entregar junto com ela numa jornada que no fundo, eram os meus medos também, só que de uma outra maneira...
Como acompanhante posso dizer que mesmo sem aquele medo, me identifiquei com as sensações por ela descritas, que são as mesmas que tenho para outros medos meus. Tenho muitas estradas escuras na vida onde vejo "coisas" e onde coisas aparecem do nada como sólidas e reais, uma delas é quando me relaciono com alguém. É fácil fantasmas antigos e alguns novos aparecerem e nessas horas também preciso de um braço para me agarrar e de alguém com calma pra me dizer que é um gorilinha no escuro e que quando acender a luz não passa de um cupinzeiro.
Somos todos infantis diante dos nossos medos e isso não nos diminui. Mas podemos aproveitar para olhá-los de uma forma mais lúdica, assim acessamos novos lugares onde o medo não será paralizador.

"Reconhecer o medo não é motivo para depressão ou desânimo. Porque temos medo, temos também potencialmente o direito a experimentar o destemor. O verdadeiro destemor não consiste em diminuir o medo, mas ultrapassá-lo." Chogyam Trungpa

Outra situação foi presenciar o medo de alguém próximo em forma de reações fortes e agressivas. Tive uma experiência do desastre que pode causar uma comunicação baseada no medo, mesmo quando há uma boa intenção. Como um animal machucado estamos prontos a atacar, e realmente atacamos. Vi uma pessoa com muitas qualidades positivas se transformar pelo medo. Medos que de certa forma compartilho, mas observar as reações me fez ficar mais alerta para os extremos a que pode levar.
Vi o medo da rejeição, o medo do abandono, orgulho (medo de ter as fragilidades expostas) e principalmente um "personagem" querendo se proteger com palavras duras que só faziam machucar. Também tenhos os mesmos medos e posso machucar muito por isso, então mais do que nunca era hora de olhar para a pessoa como um espelho.
No começo mantive a tolerância, mas confesso que depois houve muita raiva. Raiva por ser tão mal compreendida mas principalmente raiva das minhas fragilidades e paradoxalmente, da minha força que parecia confrontar diretamente os medos daquela pessoa. Na sequência retomei o prumo e me questionei de que eu realmente estava com medo e como uma cebola sendo descascada descubro que não há miolo, só cascas construídas. O medo não gera aprendizado em si, mas conhecer suas causas e transformá-las pode ser libertador.

Cena de Zabriskie Point, de Michelangelo Antonioni

Caminhando pela estrada do medo, quantas mentiras contadas para proteger nossos "personagens"? E quantas palavras, energia e atitudes oferecidas ao nada? Temos medo e não somos honestos, temos medo e interpretamos os papéis que julgamos mais seguros, temos medo e não agimos, temos medo e somos impulsivos, enfim as formas que o medo toma são infinitas. Descubro que tenho medo de onde posso chegar com minha coragem. Tenho medo do quanto sou capaz de amar e me entregar. Tenho medo da minha inocência. E por que? Porque são conceitos. Quando a coragem é energia no corpo e acontece, não há beco para o medo. Quando o amor surge e a entrega é natural, os limites não existem. Quando olho com olhos novos e conecto com a simplicidade, qual problema resiste? Acredito que o que mais tememos são nossas capacidades e não nossas inabilidades. Não acredito que nosso medo seja mesmo do fracasso, mas do que seremos na nossa inteireza.

O medo aparece quando controlamos e queremos manter, mas a beleza que pode acontecer depois de tudo desmoronar é saber observar e relazar nos destroços. Quando algo desmorona, nossas ilusões sobre nós mesmos desmoronam junto e isso é altamente libertador, se soubermos olhar assim.

A plenitude é estar presente nesse momento e isso requer uma disciplina de samurai e uma entrega incrível. 'As vezes uma maneira interessante é fazer como dizem nos Alcóolicos Anônimos: um dia de cada vez, só por hoje.
Porque o medo pode ser um vício.



P.S: Dedico ao Yargo, Douglas e Feijão pelas conversas inspiradoras.
Quando estou com muito medo, esse mantra me ajuda ;-)
Om gate paragate parasamgate bodhi soha

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Como pode ser?



"Se procura o verdadeiro amor escolheu a mais difícil das tarefas.
Todo trabalho não passa de uma preparação.
Amar não significa renunciar, render-se a alguém.
É um chamado a maturidade."

Kama Sutra


Apaixonar-se
Deixar-se entrar
Pra deixar ele sair
Fechar os braços para a intersecção
Abrir os braços pra soltar (pra onde for)
e nada foi perdido

Saber ser apenas homem
Saber ser apenas mulher

Falar com os olhos
Olhar com a boca
Existe a lua
Desnecessário outro tema

Olhar o pequeno
Uma xícara na mesa
Um bombom
O formato do rosto
O desenho do sorriso
Sem que seja xícara
Mesa
Bombom
Rosto
e sorriso

Experimentar
A pele
O gosto da textura
O cheiro da sensação
O formato das curvas
Eletricidade
Química
Conexão

Como pode ser?
Dar a mão ao medo
e deitar-se com ele todo dia?
E deixá-lo penetrá-la
até que seja capaz de ter êxtase com isso

Olhar amplo
O mundo inteiro dentro
O mundo inteiro onde caminha
Expansão
Os espaços entre as distâncias
As distâncias que não existem

As identidades
Desejam
Manipulam
Controlam
É preciso andar na linha com o ego
mas é uma linha que leva de volta ao início do círculo
Beber do veneno
E não se contaminar

Espera-se que tudo se mantenha
Que a mágica se congele
Que o roteiro se cumpra
Que as respostas apareçam

Nisso perde-se a menina
e o menino
Se perde a risada
Se perde a lágrima
Se perde a saliva

Querendo acertar
Joga-se a flecha
e ela pode doer muito
Caso atinja o alvo


Como pode ser?
Pra estar apaixonado tem que se ter o olhar do amor
Como para ser discípulo, tenha de se ter o olhar do mestre


Om mani padme hum

domingo, 16 de agosto de 2009

Caminho vermelho


Thangka de Tara Vermelha por Tifanny H. Rezende para o CEBB de Viamão


"Hoje não podeis ver nem ouvir, e é melhor assim
Mas um dia o véu que cobre vossos olhos será retirado pelas mãos que o teceram
E a argila que obstrui vossos ouvidos será rompida pelos dedos que a amassaram
Então vereis
Então ouvireis,
E não deplorareis ter conhecido a cegueira e a surdez,
Pois naquele dia, compreedereis a finalidade oculta de todas as coisas
E abençoareis as trevas, como abençoais a luz."

Khalil Gibran


Tenho vivido experiências muito profundas, um caminho que se descortina a cada passo que dou. Me perguntei esses dias, porque há tanto tempo que busco, apesar de tudo sempre acontecer como mágica e do conhecimento se ampliar cada vez mais, porque não cheguei a determinados pontos antes? Então, compartilho com vocês do meu pequeno caminho que está apenas começando numa outra consciência que era tão clara em conceitos e conhecimento mas que agora se torna parte de mim porque a vivo.
Sobre minha história, sempre fui aquela em que muitos viam potencial na espiritualidade. Era aquela que sabia falar sobre muitos temas, argumentar, discorrer, de tanto querer conhecer. Também era aquela que apesar de se enturmar com facilidade como uma criança curiosa nos grupos, me escondia dentro deles, apenas contemplando, participando nos bastidores ou no meu mundo particular onde a poucos era permitido entrar. Essa era a Alessandra em sua busca espiritual, que por meio das palavras se sentia um pouco mais livre, mas que estava na prisão dos conceitos que criou pra si mesma.

Minha arrogância não me levaria muito longe, tampouco a tentativa de me enquadrar nos conceitos que criei pra mim. Em nenhum deles me encaixei a vida toda, aliás inadequação é um sentimento que me acompanha desde muito cedo, hoje compreendo um pouco mais suas razões.
Admirava os espiritualizados que eu considerava avançados no caminho. Pra mim eles eram muito calmos, tolerantes, carinhosos, bons. Tinham tudo tão claro e viviam suas vidas em muita coerência com o que acreditavam, praticando com muita dedicação, tendo a noção exatada do que fazer a cada momento, qual atitude e energia empregar, enfim, esse era meu conceito das pessoas espiritualizadas que eu admirava.
Assim, tentei abolir minha agressividade durante anos, achando que era inadequada ao mundo espiritual, tentei me esconder atrás da minha coragem, minha ousadia não parecia combinar com meu conceito de humildade. Silenciei minhas opiniões, meus pensamentos, afinal, era tão iniciante e tão má praticante que não poderia dizer nada muito importante em meio a pessoas tão lúcidas.

Esse foi o caminho que trilhei pra adoecer. Esse foi o caminho que me levou a apatia, fraqueza por um único motivo: estava tentando trilhar um caminho que não era o meu.

Como um leão dopado, levantei muito fraca. Estava numa angústia que me reprimia  numa dor que parecia a morte, numa confusão que parecia loucura. Mas o leão dentro de mim urrava baixinho, rastejava, cheirava, fuçava. Então, de dentro da dor profunda, o que tanto pedia e era incomprendida aconteceu: apareceu um caminho diferente.
Despertei com muitos nascimentos que foram- me dados de olhares especiais. Tão intenso que isso se tornou, resolvi me submeter a experiência do silêncio profundo e do encontro comigo cara a cara, no escuro. Por fim, me entreguei a uma pessoa que chamo de "mãe espiritual" (já que ela não se considera uma mestra) e deixei que ela fizesse comigo o que quisesse. Permiti que me submetesse as experiências que achasse necessárias e pela primeira vez na vida não questionei, não duvidei, não pensei. Me entreguei nua a viver o que quer que tivesse de viver, tinha fome de experimentar, tinha fome de sentir na carne, de poder falar por mim mesma.
E foi isso que aconteceu.
Ali descobri a plenitude, o leão começava a mostrar sua força pouco a pouco, e seu coração estava cheio de amor. O rugido começou fraco, até que se manifestou, literalmente, a plenos pulmões. A força do leão era sua ira cheia de amorosidade. Ele não precisava mais brigar, nem lutar contra, ele só precisava usar toda sua coragem e ira naturais pra avançar, experimentar , ir além, mas desta vez amando.

Desde então algo mudou. Os conceitos estão perdendo cada vez mais força. Porque aprendo que uma coisa é um nome que se dá a algo, mas viver isso é imensamente diferente e só a experência nos dá a dimensão exata do conceito. Aprendi que raiva é uma coisa, ira é outra, agressividade é uma coisa, firmeza outra. Ser honesta é bem mais profundo que apenas falar a verdade. Não ter medo é bem diferente de ter coragem.
Têm me dito que sou corajosa e na verdade, sempre tive boa disposição pra viver o que quer que fosse mesmo com muito medo. Mas não sabia que minha coragem existia cravada na minha alma e que pode inspirar muitas pessoas, como tantas outras me inspiram. Então, se quero colaborar em algo com o mundo, o melhor que faço é a partir da minha própria história. É me expondo, mas com proteção. É mantendo a inocência, que me faz ter tão pouco medo na vida. É praticando a coragem pra abrir caminhos, sentir isso como meu caminho é a bênção do segundo nascimento.


A coragem da compaixão irada é vermelha, da cor do coração cheio de sangue.




terça-feira, 11 de agosto de 2009

Amor


"Quando o amor vos chamar, segui-o
Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados
E quando ele vos envolver com suas asas, cedei-lhe.
Embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir-vos
E quando ele vos falar, acreditai nele,
Embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos como o vento devasta o jardim.
Pois da mesma forma que o amor vos coroa, assim ele vos crucifica. E da mesma forma que contribui para vosso crescimento, trabalha para vossa poda.
E da mesma forma que alcança vossa altura e acaricia vossos ramos mais tenros que se embalam ao sol,
Assim também desce até vossas raízes e as sacode no vosso apego a terra.
Como feixes de trigo, ele vos aperta junto ao seu coração.
Ele vos debulha para expor vossa nudez
Ele vos peneira para libertar-vos das palhas
Ele vos mói até a extrema brancura
Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis

Então ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma no pão místico do banquete divino.
Todas essas coisas, o amor operará em vós para que conheçais os segredos de vossos corações e, com esse conhecimento vos convertais no pão místico do banquete divino.

Todavia, se no vosso temor, procurardes somente a paz do amor e o gozo do amor
Então seria melhor para vós que cobrísseis vossa nudez e abandonásseis a eira do amor
Para entrar num mundo sem estações, onde rireis mas não todos os vossos risos e chorareis mas não todas as vossas lágrimas.
O amor nada dá senão de si próprio
O amor não possui nem deixa possuir
Pois o amor basta-se a si mesmo.

Quando um de nós ama que não diga: "Deus está no meu coração", mas que diga antes "Eu estou no coração de Deus".
E não imagineis que possas dirigir o curso do amor pois o amor, se vos achar digno, determinará ele próprio o vosso curso.
O amor não tem outro desejo senão o de atingir a sua plenitude.
Se, contudo amardes e precisardes ter desejos sejam esses os vossos desejos:
De vos diluirdes no amor e serdes como um riacho que canta sua melodia para a noite
De conhecerdes a dor de sentir ternura demasiada
De ficardes feridos por vossa própria compreensão do amor
E de sangrardes de boa vontade e alegria
De acordardes na aurora com o coração alado e agradecerdes por um novo dia de amor
De descansardes ao meio-dia e meditardes sobre o êxtase do amor
De voltardes para casa a noite com gratidão
E de adomecerdes com uma prece no coração para o bem-amado e nos lábios uma canção de bem-aventurança."

Khalil Gibran




P.S: Dedico a minha amada irmã que acabou de se casar
Ofereço minha gratidão e meu amor a esse Universo que me enche de amor e dádivas

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Fundo


"Sinto que há nas profundezas do meu coração uma grande força que quer manifestar-se mas é ainda incapaz de fazê-lo.
Meus sentimentos são como as marés de um oceano. Minha alma é como uma águia de asas partidas, sofre dolorosamente quando vê os pássaros voarem no espaço, porque não pode ainda imitá-los."

Khalil Gibran



Tenho compreendido...

Meu pai é mais que alguém que tem obrigações e dívidas, ele tem as mesmas fragilidades, inseguranças e medos que eu, mas muito mais responsabilidade e cobrança.
Depois de anos querendo dele as respostas, as quitações, descubro que quero mais é olhá-lo no olho e abraçá-lo.

É preciso muita paciência, muita disciplina, prática e entrega para os resultados mais profundos.

O samsara é muito mais fácil, atraente e divertido, mas estar consigo requer muito mais coragem do que eu jamais imaginei.

O silêncio é uma jóia muito preciosa.

Reter muitas vezes é a melhor forma de fazer a energia fluir, há muitos canais disponíveis.

A noção de tempo é ilusória, uma prisão pensar que o tempo é algo tão limitado como os inventados minutos, horas, dias e anos... temos realmente uma eternidade pela frente ao passo que não podemos mais perder tempo.

A tristeza nos acompanha durante alguns momentos do caminho, é bom deitar no colo da tristeza, olhar nos olhos da saudade e ser afagada pela agressividade.

É preciso coragem, muita coragem pra ir a fundo e ir a fundo faz parte de mim então não tenho saída.

Fazer o que tem que ser feito é o verdadeiro heroísmo.

É muito mais difícil amar a si mesmo.

Compreender é mais importante que entender.

Se despir é um bom começo pra perder a vergonha e a culpa.

Me satisfaz a companhia e as estrelas do céu, preciso cada vez de menos.

Estou assustada (e fascinada) com tantas descobertas e achava que não me assustava tão fácil.

Não têm mais importância minhas idéias sobre mim, elas não vão durar muito tempo mesmo...

É precioso ficar parado no meio do caos. Ficar parada e inteira gera muito mais experiências e atrações positivas que a ansiedade de buscar o tempo todo.

Peregrinar pode ser uma idéia muito mais interessante que viajar.

Amo muito mais as pessoas do que eu imaginava e sou tão amada que não posso me contentar com pouco.

Eu quero experimentar, estou um pouco farta de idéias.

Tudo que eu quero tem um preço bem caro e eu estou disposta a pagar , mas não vai ser fácil.

Ainda tenho medo de fantasmas, mas nem por isso saio do quarto ou acendo a luz.

A escuridão pode ser um bom lugar pra um encontro com você mesmo.

Amar alguém pode ser renunciar a isso.

O amor é muito mais que desejo, mas o desejo pode ser muito amoroso.

Não adianta querer explicar ao senso comum, no caminho do coração a incompreensão e a solidão são grandes companheiras.

Olhar com olhos novos é uma dádiva.

A simplicidade é divina, a forma mais profunda de aprendizado e está a nossa disposição o tempo todo.



Eu sou livre, até pra mudar de idéia.



sexta-feira, 24 de julho de 2009

Silêncio


"Onde subirei, com meu desejo?
De todas as montanhas eu busco terras paternas e maternas.
Mas não encontrei um lar em lugar algum.
Sou um fugitivo em todas as cidades, e uma partida em todas as portas.
Os homens de hoje, para quem meu coração recentemente me levou, são -me estranhos e grotescos.
Sou expulso de todas as terras paternas e maternas.
Assim, eu agora amo apenas a terra dos meus filhos, ainda não descoberta, no mar mais distante: e nesta direção enfuno minhas velas...
Na gregaridade repetem-se os mundos velhos, carcomidos.
Na solidão se contempla o nascimento de novos mundos.
As montanhas, as florestas, os mares: cenários da alma.
Há neles uma grande solidão.
E a solidão é dolorida.
Mas há também uma grande beleza, pois só na solidão que existe a possibilidade de comunhão.
Assim não tenha medo: "Foge para dentro da tua solidão. Sê como a árvore que ama com seus longos galhos: silenciosamente, escutando, ela se dependura sobre o mar."

Assim falou Zaratrusta - Nietzsche



P.S: Dedico ao portal que descobri entre as montanhas e a querida Manuela.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Last chance Harvey



" I have to tell you that is a relief to find someone who actually says what they're feeling and what they're thinking." Harvey Shine
(Eu tenho que te dizer que é um alívio encontrar alguém que realmente diz o que está sentindo e o que está pensando)


"Last Chance Harvey", traduzido como "Tinha de ser você" (tradução infeliz, aliás).
Dustin Hoffman e Emma Thompson estão excelentes nos papéis de Harvey e Kate. O melhor do filme não é sobre o que ele trata, mas como ele trata. É um filme que trata delicadamente as relações humanas em suas sutilezas.
Duas pessoas que se conhecem em momentos de vida sem muitas alternativas, momentos daqueles em que você se sente invisível, fracassado, sem rumo, com culpas, perdido (alguém aí sabe o que é isso? rs). Um detalhe interessante é que os protagonistas têm em média 50/60 anos e nesse caso as oportunidades parecem últimas chances, como os fracassos parecem o fim da linha. E por isso também o filme é muito belo, pois não oferece esperança, mas a visão da possibilidade sempre disponível de sermos transformados e transformarmos através do amor, tenha ele a forma que tiver, seja em qual momento for.
Uma das falas mais tocantes é o generoso discurso de Harvey para sua filha Susie, do fundo do seu orgulho e constrangimento:

" It's the children of divorce that suffer the most and she had her share of pain and disappointment (...) and this is a tribute to you Susan - it has served her well because she's somehow separated herself from the fracture of her birth family to become a strong, determined and independent woman. And yet you've kept your sensitivity and your vulnerability and your loveliness."
 

(São os filhos do divórcio que mais sofrem e ela teve sua parcela de dor e decepção (...) e este é um tributo a você Susan - isso serviu-lhe bem, porque de alguma forma ela separou-se da fratura de sua família de nascimento para se tornar uma mulher forte, determinada e independente. E ainda assim você manteve sua sensibilidade e sua vulnerabilidade e sua amabilidade)

Tenho observado as relações humanas que chamo de "nutritivas," um dos motivos que me fez apreciar ainda mais esse filme. Ele me reafirmou a dádiva das verdadeiras conexões humanas e esse milagre acontece quando relaxamos para nos expormos e nos abrirmos ao outro de forma autêntica, ao mesmo tempo que o outro, aberto, nos vê e nos ouve e a conexão flui sem esforço e sem precisar de artifícios. A vida traz todos os dias muitas chances dessas conexões, mas como a maioria das vezes é numa forma comum e prosaica, e não como idealizamos, nós deixamos passar por simplesmente não vermos.
Mas se pararmos pra observar, como são pesadas as idealizações... Como pesam as relações em que ambos são bonecos interpretando o que pode ser que doa menos, não ter espaço pra ser você mesmo e estar despido das regras de felicidade para um senso comum tão raso... Como pesa tudo que queremos sustentar e nem sabemos para quê...

"I'm more confortable with being disappointed. I think I'm angry with you for trying to take that away." Kate
(Estou mais confortável em ser decepcionada. Eu acho que estou com raiva de você por tentar tirar isso)

Aprendo com os protagonistas o que é o viver como se fosse sua última chance não por desespero, mas por despertar. Uma história linda, onde seres se acolhem, despertam juntos e dançam até cansar. E se cansam, tiram os sapatos e caminham juntos sem saber porque são ditas certas coisas. A bela incoerência de uma abertura pro outro sem que o conheça bem e a conexão foi feita sem que se saiba como. A deliciosa ignorância de não saber como, mas saber que está tudo bem, porque se está em casa, sendo o que se é.
E essa história não é mais bonita porque trata de um casal. Ela é linda porque trata de pessoas.

E como bem disse Contardo Calligaris "O diálogo que leva ao amor, que dá a cada um a vontade de se arriscar, não surge da sedução e do charme, mas da coragem de nos apresentarmos por nossas falhas, feridas e perdas. "


"- So how this is going to work, Mr. Shine?
- I have absolutely no idea. But it will."
(- Então como é que isto vai funcionar, Mr. Shine?
- Eu não faço a menor idéia. Mas vai.)




Dedico a todos os preciosos amigos


terça-feira, 16 de junho de 2009

Quand j'etais chanteur


"Já vi muitos casais se formarem e se separarem. Sei que estudando os movimentos dos dançarinos você entenderia muito mais as pessoas e o mundo."
Alain Moreau

Assisto a "Quand j'etais chanteur"(infelizmente traduzido como "Quando estou amando"), filme francês muito bom que retrata a relação do cantor Alain Moreau (ótimo Gerard Depardieu) com a corretora de imóveis Marion (também ótima Cecile De France) e como isso transforma suas vidas e o entorno deles.
Alain é um cantor de bailes que faz pequenas apresentações e não tem grandes pretensões de ir além disso. Marion é uma corretora de imóveis que tem uma relação conflituosa com seu filho e um passado misterioso.
Alain é aquele tipo distante do ideal feminino comum, não é bem sucedido, nem tão bonito e um tanto "brega". Marion é aquela mulher fria, um tanto antipática e arrogante, apesar de muito bonita, com quem a maioria dos homens não perderia muito tempo na conquista. O mais interessante no filme são como os esteriótipos se desenrolam, como tudo vai se transformado no decorrer da história, como numa dança.

Os esteriótipos estão por toda parte, acompanhados de idealizações e preconceitos. Esse é o ponto, na conquista, quem se fixa somente nas aparências perde. Quem saboreia a descoberta e a conexão humana, ganha, sempre. Pois não existem regras, existem pessoas.
Ganhamos quando conseguimos atravessar a barreira da aparência, dos conceitos, dos julgamentos. E mais, quando conseguimos olhar a pessoa em seu contexto, enfim, olhar a pessoa e não apenas um objeto que está ali para satisfazer nossas expectativas e desejos.
Dessa forma, Alain não é simplesmente brega e "falastrão", como Marion não é apenas fria e distante. Em cada um vemos, de acordo com o contexto, outras boas qualidades aflorarem (adoro essa palavra, ela lembra frescor, nascimento). Alain é também atencioso, gentil, cavalheiro, carinhoso. Marion é também afetuosa, companheira, sensível.

O que torna Alain um homem de presença e habilidade é sua autenticidade e maturidade. Ele sabe o que é, e não quer passar por nada mais, ele sabe o que quer e não se deixa abater pelas dificuldades que Marion coloca. Ele aproveita cada encontro para ocupar as brechas possíveis, para descobrir mais sobre essa mulher, e dessa forma a desafia sem jogar. A desafia não se submetendo (as negatividades dela então se voltam pra ela mesma lidar), não confrontando (ela é arredia e escaparia na mesma hora), mas delicadamente deslizando entre os nãos, as durezas, as resistências.
Da mesma forma, Marion vai se abrindo pouco a pouco, conforme se sente segura (afinal, ele é um conquistador e deve querer o que todos querem) e isso leva um certo tempo. O desafio despojado de Alain intensifica seu interesse por ele, seu trato com as pessoas e das pessoas com ele chegam até a despertar um certo "ciúme", um interesse em descobrir se realmente há algo mais além do rótulo que ela mesma lhe deu. A transparência de Alain desarma as tentativas de Marion de subestimá-lo. Cada um tem seu ponto fraco e suas formas de camuflá-los, mas conforme aprofundam, naturalmente essas máscaras caem, mostrando pessoas comuns que, como todas as outras, têm o desejo e o medo de se entregar (não a toa há a referência constante aos vulcões).
O que nos une e nos torna iguais é que somos todos os mesmos quando vulneráveis, e se há uma boa motivação na conquista, abre-se espaço para o amor.

Observo que quanto mais consciência temos de nós mesmos, quanto mais nos conhecemos sem nos idealizarmos tanto, conscientes de nossas limitações, mais podemos entender o outro. Dessa forma, conseguimos ultrapassar a superficialidade reconhecendo que o outro assim como nós, tem suas defesas e fraquezas. E temos condições de oferecer nossa habilidade, nosso melhor olhar e gesto, e, como numa dança, os passos são levados sem pensar, o entrosamento acontece naturalmente.

Esse filme me fez pensar nesses belos encontros que a vida proporciona, que nem sempre são os que atendem nossas expectativas ou têm um resultado de acordo. Mas os encontros que verdadeiramente nos transformam, nos invadem a ponto de não sermos os mesmos a partir dali.
E podem até não ser os mais românticos, mas com certeza são os mais plenos.



"Rendez vous, rendez vous..."
(Entregue-se, entregue-se...)




sexta-feira, 5 de junho de 2009

Inverno

"No meio da amargura e do ressentimento, vislumbramos a possibilidade da maitri. Ouvimos um choro de criança ou sentimos o cheiro do pão que alguém está assando. Sentimos o frescor do ar ou vemos a primeira flor brotar na primavera. Apesar de nós mesmos, somos despertados pela beleza, em nosso próprio quintal." Quando tudo se desfaz - Pema Chodron


Chega o inverno
O outono vem acontecendo aos poucos, a troca das folhas, a exposição nua e crua dos galhos
É hora de recolher-se na casa escura com apenas uma lareira acesa
E sentar a sala com os velhos medos, as velhas crenças
Abandonar o sentimento infantil de desamparo
Pela força real da mulher que se tornou
Dar as mãos as cicatrizes e tê-las como boas companhias
Abraçar as lembranças, guardar as referências e superá-las

Respirar a plenos pulmões a alegria e a dor
Levantar a cabeça, abrir o peito
Abrir o peito de novo, de novo, de novo
Incansavelmente, persistentemente
Como a cabra mítica que te rege
Pois hoje o valor está mais no vivido do que no acerto
Na medida em que não se tem culpa pelo que se é

Apropriar-se das escolhas com os devidos preços pagos
E não há rancor
Apropriar-se da força interminável de caráter
E não há ressentimento que sobreviva
Apropriar-se da dor do olhar que não recebeu
E te olhas ainda mais e a fundo e estás de acordo

Dessa forma, aceitas as condições reais do viver
A natureza do sonho e a sedução da ilusão
Desperta, levanta e anda no dia presente
É a única coisa que tens
E (respiro leve e profundamente, enquanto cai uma lágrima)
De nada mais necessitas.




domingo, 17 de maio de 2009

Ne plus ultra!


"Seja eu
Seja eu
Deixa que eu seja eu
E aceita
O que seja seu
Então deita e aceita eu...

Molha eu
Seca eu
Deixa que eu seja o céu
E receba
O que seja seu
Anoiteça e amanheça eu...

Beija eu
Beija eu
Beija eu, me beija
Deixa
O que seja ser...

Então beba e receba
Meu corpo no seu
Corpo eu, no meu corpo
Deixa
Eu me deixo
Anoiteça e amanheça..."

Marisa Monte


Depois de um céu forrado de estrelas, com se de um sopro num punhado de uma mão elas colassem lindas num fundo azul escuro
Depois dos pássaros coloridos, em árvores centenárias altas e exuberantes, que a noite se vê num contorno imponente e delicado
Depois do sol brincar entre as nuvens num jogo de revela-esconde, dançando no corpo estendido na areia
Depois do mar virar um cobertor de espuma
Depois de um rio transparente se oferecer gelado e seduzir, não pelo aconchego, mas pela possibilidade da entrega ao possível desconforto e te fazer quente no meio de tanto frio, colocar teu sangue pra circular energia e calor e de todo medo e desconforto nascer a força, firmeza, conexão e comunhão

O que mais se pode querer senão ser o ser?
O que mais querer além de aceitar a valentia e brincar com os receios?

Mas há um certo cansaço. O cansaço do mediano pela ânsia do maior, do nunca antes navegado, dos territórios inexplorados, das possibilidades encantadoras do acaso e do inesperado.
Desejo de ir além.
Pois o pouco não alimenta e o raso não nutre.
Desejo de aprender
Como se aprende num fim de tarde a se atirar num rio, não como afirmação de nada, simplesmente abrindo os braços e mergulhando no fundo da água.




“Rather than love, than money, than fame, give me truth.”
Thoreau







*Ne plus ultra, do latim "não mais além".

Dedico as aguas do rio daquele pedacinho da Serra do Cacau.
E a Natureza, que amo profundamente e mais a cada dia.

domingo, 10 de maio de 2009

Alguns pensamentos sobre o amor


"O amor não é um sentimento, é uma habilidade"

do filme Dan in Real Life

A palavra amor está tão banalizada quanto seu próprio sentido. Ouço aqui e ali das mais variadas formas, para descrever as mais variadas situações, mas parece tão automático que fica como um uníssono vazio. Esse foi um dos motivos que me fizeram querer parar e aprofundar sobre o que é o amor, aquele elaborado, sentido, vivenciado, livre das superficialidades coletivas.

Descubro que amor é muito mais que esse frio na barriga, essa impulsividade, sensação de euforia. Isso pode ser um esboço de amor, uma paixão, e não precisamos subestimar o valor de uma boa paixão. A paixão nos movimenta, nos dá energia. E por ironia, descubro também que o amor está sempre lado a lado com a paixão, é questão de acessar, desmitificar, integrar de forma mais elevada todos os benefícios das motivações de uma paixão. Por exemplo, a disponibilidade que temos para o outro: encontramos tempo, ficamos sem dormir, fazemos coisas que nem gostamos tanto quando estamos apaixonados. Outra é como conseguimos ver qualidades positivas no outro, como relevamos e toleramos mais, como queremos mostrar nosso melhor.
É mais ou menos assim: podemos sentir paixão amando e amar apaixonados. O amor é algo mais autônomo e por isso difícil de desmitificar, parece muito distante de alcançar, tão divino quanto inacessível. Para mim o amor é sagrado e por isso mesmo ele está tão perto e disponível, não precisa ser tão idealizado. Pelo mesmo motivo, renegamos a paixão, tão mundana, tão fácil de acessar que parece algo inferior. O amor é realmente transcendente a paixão mas ele não exclui a paixão, um faz parte de outro, um pode dançar com o outro em sintonia, essa é a beleza.

Todos buscamos algo em troca, mesmo que inconscientemente e isso também não é um problema, ou torna menos digno o amor. Mas se nos mantivermos apenas nesse nível de perdas/ganhos perderemos o melhor do amor, que é a capacidade de ir além de si mesmo. Vivenciando o amor com essa maturidade, paramos de dar tanto valor ao sentimento de forma simplista, o que minimiza nossas carências e expectativas, e olhamos mais amplamente, olhamos a pessoa além do objeto e enfim, o ser além da pessoa, seu contexto, sua história. Infelizmente não é o que temos tanta disposição para fazer hoje em dia, pois queremos rápido, queremos mais e o melhor. Trocamos de relações de forma utilitária, buscando um ser perfeito que nos complete, nos traga felicidade, buscamos uma idealização, um significado, e não um sentido de amor. Agimos como crianças mimadas, vivendo nossas paixões de modo tão superficial que nos atemos mais ao que gostamos ou não, nos orgulhamos de sermos intolerantes com determinadas características do outro, nos afastamos ao primeiro sinal de desgosto, rejeição ou diferença. Por isso sofremos.

Mas o amor tem mais a ver com disposição e habilidade para estar junto do que qualquer outro mito que se possa criar, é muito mais simples do que estar com alguém simplesmente porque se ama. Amamos porque nos disposmos a estar com alguém e não o contrário. Minha experiência de casamento me mostrou isso. Sentir amor não segura nenhuma relação, mas a habilidade de amar e a disposição de estar junto sim, e isso foi o que fez com que fosse feliz até o fim.
Se quisermos aprofundar mais ainda sobre o amor, olhemos para as situações controversas a nossa vontade. Ao inesperado, dolorido, ao que incomoda, perturba  e ainda assim somos capaz de pensar amorosamente em alguém. Isso talvez seja o que Jesus disse de "oferecer a outra face". Oferecer o outro lado, que todos temos, o lado amoroso acima de tudo. O lado tolerante e compassivo de suportar o que é tão desagradável porque nos dispomos a seguir adiante num exercício amoroso da liberdade, uma liberdade genuína de poder ser e fazer qualquer coisa dentro da impermanência natural da vida e mesmo assim optarmos por seguir naquela direção.

O amor está além do medo, amplo, aberto, sem fronteiras, não há onde escorar e ao mesmo tempo ele nos protege sobre o ar, paradoxalmente ele nos sustenta no vácuo. Dessa forma nos tornamos hábeis e amamos. Amor é o que acontece enquanto, além de brincar, sustentamos.

É uma valente disposição de espírito.



"Talvez fosse melhor se a vida não trouxesse mudança - se pudéssemos confiar em que ela nos proporcionará felicidade duradoura.
Mas, se isso não é verdadeiro, uma compreensão calma e clara do que é verdadeiro -- nenhuma condição é permanente ou confiável -- enfraqueceria o ponto pelo qual o desejo nos agarra.
O sofrimento pode desvanecer-se no despertar, devido ao absurdo dos pressupostos que o sustentam. Sem reprimi-lo ou negá-lo, pode-se renunciar ao sofrimento do mesmo modo como uma criança renuncia a um castelo de areia: não reprimindo o desejo de construí-lo mas desviando-se de um esforço que já não desperta nenhum interesse."

Stephen Batchelor




Dedico a minha mãe, que me ensina muito sobre o amor e quem amo deveras.





domingo, 26 de abril de 2009

Sobre diversidade e igualdade


"Nosso medo mais profundo não é de não sermos bons o suficiente. Nosso medo mais profundo é o de sermos poderosos além das medidas. É a nossa luz, e não nossa escuridão o que mais tememos.
(...) Não há nada de iluminado nesse encolher-se, para que os outros não se sintam inseguros a nossa volta. Estamos aqui para irradiar como fazem as crianças. E a medida em que deixamos a nossa luz brilhar, inconscientemente damos aos outros permissão para que brilhem também. A medida que nos liberamos de nosso próprio medo, a nossa presença, automaticamente, libera os outros para que façam o mesmo."

Nelson Mandela


Assisto a "Milk - A voz da Igualdade" de Gus Van Sant. Sean Penn está absolutamente genial como Harvey Milk, garanto que sua atuação, pra começar , já vale o filme.
História que nos permite tomar contato com um universo tão diferente e ao mesmo tão semelhante as mesmas angústias e batalhas de qualquer minoria: ser visto como tal e qual, ter liberdade de poder circular sem abrir mão de sua individualidade.
Confesso que fiquei ao mesmo tempo fascinada e surpresa com a luta dos homossexuais para chegar ao simples direito de sair de mãos dadas pela ruas, não imaginava que  tivessem enfrentado reações tão nefastas devidamente legitimadas. Tenho muitos amigos(as) homossexuais e sempre me pareceu normal que transitassem com liberdade, apesar do grande preconceito que ainda existe. Isso me enche o coração de alegria, se hoje tudo parece mais "natural" é porque a luta de tantos foi tão autêntica que deixou esse legado.

Assim é com cada palavra que dizemos cada vez que queremos comunicar algo além da estreiteza de visão de uma maioria, como dizia Gandhi, nesse momento somos a revolução que queremos ver no mundo. A fala mais cativante e que representa esse pensamento no filme é :"Se um de vocês sair do armário, se uma pessoa se identificar com vocês, então seremos muitos em breve."
Essa é a importância de seguirmos em uma direção mais lúcida não apenas por nós, mas porque isso vai beneficiar muitos e até gerações seguintes. Podemos ter esse pensamento cada vez que subestimamos a força da atitude consciente. Isso vai de encontro com a frase de Mandela, permita-se ser livre do medo, não fazendo o que se quer apenas, mas livre para ser . Ou como Sartre colocava, que a liberdade é "legítima" quando a serviço da liberdade do outro.

Cada vez que damos um passo rumo a liberdade individual genuína, reconhecemos que o outro tem esse mesmo direito. Desse reconhecimento vem algo inclusivo que permite que todos exerçamos, um a um, sua liberdade individual.
Então qualquer assunto que trate de exclusão, me entristece. Esses acontecimentos me fazem pensar sobre a tolerância e as razões da intolerância num nível particular e coletivo, talvez seja mesmo muito duro olhar para o que julgamos "tão diferente" pelo mesmo motivo que é duro olhar para nossas próprias negatividades ou repressões. Não apenas pela diferença, mas pelo "desconhecido" que tememos. Se há algo de partida elevado, é começarmos a sair dos nossos "resorts" particulares e conhecermos mais os outros e o mundo.

Toda grande mudança exige posicionamento. Esse é um preço pago quando nos expomos e nos colocamos claramente, não temos controle como isso pode chegar ao outro. No caso de Milk, para mim fica claro o quanto a autenticidade da luta de Harvey confrontava violentamente a falta de substância do discurso de Dan e talvez seus desejos reprimidos. Harvey Milk talvez fosse tudo o que Dan gostaria de ser "fora do armário" e isso tenha sido muito indigesto de conviver, sendo a única saída pra essa angústia uma atitude extrema.
Portanto, na maioria das vezes o impacto da atitude de alguém que se posiciona na vida do outro não se refere especificamente 'a forma do discurso, mas a medida de quem ouve na proporção de sua própria consciência. Quanto maior a ignorância, maior o tamanho da explosão e portanto, da reação.

Esse filme me tocou por isso: Harvey Milk não lutou em causa própria e sim por todos. Não pelo ego de ser o primeiro gay a assumir um cargo público mas por ter finalmente a voz para representar não só os gays, mas muitos excluídos.





segunda-feira, 20 de abril de 2009

Ensinamentos Budistas


" Não olhem para mim, olhem para o que eu aponto."


Lama Padma Samten

Esse fim de semana teve retiro com o Lama Padma Samten no CEBB. Ensinamentos que caem suaves e perfeitos, mais uma vez são desconstruídos vários paradigmas, numa sequência de angústia e paz. O retiro além de profundo é sempre divertido. Encontro pessoas queridas com quem troco na mesma medida, uma mandala positiva dentro da loucura dessa vida. O Lama dessa vez estava muito direto e pontual (o que particularmente gosto muito) colocava o dedo na ferida e depois abria aquele sorrisão e fazia todo mundo cair na risada.
Ele enfatizou a necessidade de não perder tempo, colocar em prática os ensinamentos, verificar por nós mesmos o que dá certo ou não. E claro, a importância da meditação para estabilizarmos cada vez mais nossa energia e dirigirmos a mente. Afinal, Lama, praticantes, bebês, idosos, estamos todos no mesmo barco!

Tomo a liberdade de reproduzir algumas reflexões e dividi-las com vocês:

- O caminho mahayana, dentro do Budismo é o caminho da prática no mundo. Para praticar no mundo precisamos de um eixo, algo como uma espinha dorsal que sustente essa prática, uma motivação elevada de beneficiar todos os seres.

- O karma é trabalhado nas relações, por isso elas são tão desafiadoras. Precisa de um terreno fértil para o karma germinar e isso não acontece sozinho. Nossos karmas são sempre coletivos, estamos uns trabalhando com os outros já que ele depende de causas para surgir. Os karmas estão onde não queremos mexer, eles surgem como algo "natural" a que estamos "acostumados".

- É importante na vida que tenhamos um referencial elevado para todas as situações. Como uma mãe com um bebê, ela não precisa saber porque ele está chorando, ela pega o bebê no colo, dá uma "ajeitadinha" e tudo se acomoda. Precisamos cultivar essa capacidade de acomodar as situações, dar uma ajeitadinha ao invés de nos prendermos tanto as causas. Isso é posssível com bebês, mas quando se tratam de adultos acabamos por nos contaminar.
Seria bom "operarmos pelas costas". Que nossas atitudes tenham uma base além do que aparentam, as pessoas não aprendem conosco pelo que falamos, mas pelo que fazemos.

- É bom estar atento aos olhos utilitários que lançamos, o mundo hoje tem muito esses olhos, olhos que querem arrancar uns dos outros o tempo todo. O mundo econômico ilustra bem isso, estão todos pensando no "caixa", mais do que em gerar benefício aos outros. Mas não percebem que se a ótica for de gerar benefício estarão tão atentos as necessidades que produzirão o que as pessoas realmente necessitam, ou até o que venham necessitar, além de obterem lucro estarão fazendo algo positivo que não seja apenas para si. (Nesse momento me ocorreu que a pesquisa de tendências budista é muito mais efetiva e interessante que essas trends consultings rs)

- Hoje em dia notamos uma grande crise no valor das coisas, a fragmentação da confiança em determinados sistemas. O que é muito positivo para revermos o que realmente importa para andarmos no sentido de maior responsabilidade universal. (Ele deu o exemplo de Gaia Education).
Vivemos a crise de armazém, muitas empresas estocando produtos, alimentos, que crise é essa se existe tudo isso em abundância, se deteriorando em depósitos?
A simplificação da vida é a felicidade, a felicidade é a verdadeira subversão pois ela inclui olhar para o outro além de olhar pra si. Tudo que fazemos para nós mesmos não "vinga", se deteriora, podemos observar. O que fazemos também pelo outro germina, floresce.
Desejamos tantas coisas, nos apegamos tanto que não temos tempo! Se tempo fosse um produto com certeza muita gente consumiria! rs Imagine, quando usamos nosso tempo para coisas elevadas e não inúteis, sempre temos mais tempo.

- O propósito harmonizado com o Universo gera mandala positiva. Esse propósito sem harmonia gera paisagens. O propósito deve funcionar sem esforço, tendo uma boa motivação como base. Então direcionamos a energia para direcionar o corpo. Para direcionar a energia, precisamos direcionar a mente. A mente se relaciona as paisagens, uma natureza livre está acima das paisagens.

- Sem motivação correta, caimos no materialismo espiritual e aí praticamos para gerar e sustentar novas identidades. Por exemplo, praticamos como semi deuses que comparam sua prática com as dos outros todo tempo, praticamos por carência ou como os deuses, que se orgulham de não precisar praticar. É o caso das "multinacionais espirituais"(adorei esse termo ), que esquecendo a verdadeira motivação implantam espiritualidade, ao invés de levar benefício e compaixão. A motivação correta é beneficiar todos os seres, essa não tem erro.

- Nossa sabedoria primordial nos faz relacionar com as coisas sutis e não com as grosseiras. Encontramos nossa natureza original e somos livres.
Os sintomas são "artificialidades", tirando sua solidez, eles passam. Não há nada que não se possa transformar em lucidez. Mas a artificialidade usada para guiar para fora da artificialidade, é a artificialidade com dharma.

- A parte inicial do caminho é onde estamos. Se nada é sólido dentro do samsara, podemos resolver tudo na hora (liberdade imediata) sem precisarmos deixar passar tanto tempo agindo da mesma maneira negativa. É preciso não perder tempo, temos a disposição tudo o que precisamos, não deixemos passar. A sabedoria, a consciência é como um fruto maduro numa árvore, se não colhermos ele vai cair no chão.

- Estamos no poço da existência cíclica, entre o sofrimento e a liberação. As portas se abrem e se fecham o tempo todo. Então na hora das "crises", dos momentos difíceis, temos sempre a possibilidade de simplesmente abrir uma outra porta. Há sempre uma saída além de nós mesmos.

- Ao invés de deixar de olharmos para nossas vidas para que isso não doa e ficarmos olhando a vida dos outros como em "Big Brothers", vamos olhar as regiões escuras da nossa existência com o olho do dharma, o olho que purifica e transmuta.
Nossa vida é tão interessante! Nossa própria história é bem mais interessante, todos os dias temos tarefas a cumprir e os resultados surgem de acordo.

- Interessante como somos educados a ter um determinado estilo de vida que nos aprisiona de tal forma que faz com que "vivamos o fim de semana". Eu construo uma carreira, ganho dinheiro, adquiro coisas que desejo, que no fim das contas não vivo, além de alguns poucos dias na semana em que consigo "usufruir" alguma coisa rs.
Se devemos ter uma vida "simples" ou não no sentido concreto, não faz diferença. Posso usar um instrumento de 04 cordas ou um enorme piano, a diferença fundamental é a motivação com que uso aquilo. Por exemplo, S.S Dalai Lama não tem uma vida simples, ele tem muitos compromissos, muito a fazer. O importante é não perdermos tempo com coisas inúteis, pois não temos as coisas inúteis, elas que nos têm.



P.S: Dedico ao Lama Samten e a todas as pessoas que compartilharam esse momento auspicioso.



segunda-feira, 13 de abril de 2009

Se você se apaixonar por mim...


Se você se apaixonar por mim...

Tenha paciência com minhas confusões
Elas são apenas um pedido pra que eu me encontre
Muitas vezes um atalho sinuoso pra chegar em você

Entenda minha menina, coloque-a no colo na hora da tristeza
E não dê muita bola na hora da birra
Me faça um cafuné

Rasgue resistência por resistência e vá se deliciando com elas
Ao invés de questioná-las
Depois me renda e me tenha como se tem uma mulher

Não exija muito, não cobre, não dê muita vazão a posse e ao ciúme
Considere a imaturidade da minha malícia
e que muito do que parece definitivamente não é

Se você se apaixonar por mim

Saiba que em muitos momentos aprecio a solidão
E isso nada tem a ver com declinar sua adorável companhia

Movimente-se
Nem muito longe que não possa vê-lo
Nem tão perto que distorça
Esteja ao lado e nunca será muito nem pouco

Abra os braços
Aperte bem forte a minha mão
Segure na minha cintura

Não me analise tanto
Não me interprete a todo momento
Olhe além e contemple os sinais
Respire o perfume do mistério

Incorpore tudo isso escrito aqui
E delete da sua razão

Não tenha medo de abrir a porta
Ela não está trancada e tampouco precisa de força
Abra devagar, entre sutilmente e sinta todas as possibilidades
que existem nesse universo do eu, você , um mundo inteiro e nós


Se você se apaixonar por mim,
que seja doce esse fim





P.S: Texto meu publicado em 04/07/08.
Totalmente inspirado numa proposta da revista Marie Claire do ano passado. Foram convidados alguns homens para escrever uma carta fictícia a uma mulher apaixonada dizendo o que fazer ou não fazer para não estragar o romance. O título é "Se vc está apaixonada por mim, nunca..."
Como não acredito em nunca, mudei um pouco isso.

Dedico aos homens apaixonados.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Caos Calmo


"Um ser humano é parte de um todo que chamamos "o universo", uma parte limitada no espaço e no tempo. Ele sente a si próprio , seus pensamentos e emoções, como algo separado do resto - um tipo de ilusão de ótica da consciência. Para nós, essa ilusão é uma espécie de prisão, restringindo-nos a nossos desejos e afeições pessoais para com algumas pessoas mais próximas. Nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos dessa prisão, ampliando nosso círculo de compreensão e compaixão, de modo que possa incluir em sua beleza todas as criaturas viventes e a totalidade da natureza."

Albert Einstein


Assisto a "Caos Calmo", do diretor Antonio Luigi Grimaldi, com Nanni Moretti (do ótimo "O quarto do filho"). Filme sublime: humano e tangível, que nos faz deixar de lado o espectador e sentar ao lado da personagem. Trata-se da história de Pietro, que perde a esposa enquanto salva a vida de uma outra mulher na praia. A partir disso, ele resolve viver a ausência e a dor deixando a filha todos os dias na escola e permanecendo na praça em frente a janela da sala de aula.

A atuação de Nanni é perturbadoramente visceral. O caos acontece ao redor, tudo desaba, o "irreversível" acontece. Mas Pietro parece se apoiar na parte "reversível", um luminoso "a partir de" diante da grande perda. Ao invés de se afundar em depressão, ele tenta se manter em pé por sua filha Cláudia. Ela se mantém como o pai, como se ambos estivessem lidando serenamente com o fato (como diz no filme, até uma certa idade os filhos reproduzem os sentimentos dos pais). Esse laço ao mesmo tempo que mantém a dor profunda velada, os fortalece pela cumplicidade.

Mas o mais interessante do filme é essa sensação que ele traz de uma bomba relógio iminentemente a explodir misturada a uma paz inexplicável. Ao invés de se recolher, Pietro se expõe numa praça. Não  solicitando ajuda e conforto como seria o mais comum. Ele fica imóvel, observa, interage, se interessa, conecta. Dessa forma, numa inversão surpreendente, ele é quem mais ajuda, ouve, fica a disposição do que qualquer outra coisa. Pietro se doa dentro da dor e sem perceber, a vida segue naturalmente fluida, a energia volta a circular e cria conexões positivas que fazem as pessoas quererem estar por perto, atraindo inclusive mulheres, trabalho, amigos.
Por estar ali, imóvel e presente, oferecendo de si sem precisar de palavras mas com a energia dessa presença, Pietro transforma a cada momento o caos em que vive. Como numa meditação profunda, onde tudo acontece lá fora, os barulhos, os sons, as nuvens no céu, mas algo se mantém estável, autônomo, firme.

Pietro vai renascendo a cada olhar de nascimento que ele lança. É um processo simultâneo. Alguma vez na vida já nos sentimos assim, a medida que enxergamos qualidades nas pessoas pelo olhar que lançamos a elas, renascemos positivamente. Não há forma mais bonita de se manter dentro do caos, sair de si mesmo mas respirar a dor, senti-la visceralmente em suas entranhas, olhá-la e depois a abraçá-la. Abraçando a dor você vai perceber que ela não é sua, mas de todos. A partir dela, pode-se renascer além dela. Assim podemos ressurgir no mundo de outra forma e permitir que outros também ressurjam sob uma outra perspectiva.

Não há nada mais interessante do que pessoas que vivem inteiramente suas vidas. Pessoas que você sente que estão por perto porque escolheram estar por perto, cuja conversa é dada com olho no olho, troca. São pessoas que não se deixam levar pela carência excessiva, pela necessidade de provar alguma coisa ou de receber alguma coisa. Pessoas que não apenas selecionam, escolhem. Estão presentes, não apenas juntas. Parceiras e não apenas companhias. Não apenas conversam, compartilham.
Elas mantêm algo cool, que dá vontade de estar por perto pelo acolhimento dessa presença, desse oferecer-se ao outro naturalmente. Pessoas assim passam uma integridade altamente sedutora e é isso que faz com que Pietro seja tão interessante, inclusive com as mulheres. Afinal, se ele toca o alarme do carro para agradar uma criança ele também é capaz de olhar uma mulher com todas as suas nuances. Se ele contempla a vida de forma tão inteira, assim será com as pessoas. Pietro vai fundo e por isso transborda. E por transbordar, conecta e atrai.

"Caos Calmo" não é um filme pra ser visto, é uma experiência a ser vivida. Ele inspira a querer parar quando o mundo está de cabeça pra baixo e apenas contemplar e apreciar. E depois levantar, leve e limpo, pois tudo sempre estará disponível dentro de si.

Quando estiver doendo muito se ofereça ao outro. Quando estiver muito alegre, se ofereça ao outro. Quando estiver indiferente, se ofereça ao outro.
Logo em seguida, dor, alegria e indiferença nada mais serão que nuvens no seu céu.





P.S: Dedico a todos os novos amigos, as relações positivas que surgem como verdadeiros presentes e me trazem plenitude.

sábado, 28 de março de 2009

A insustentável leveza do ser




"...é mais ou menos assim o instante em que nasce o amor: a mulher não resiste à voz que chama sua alma amedrontada, o homem não resiste à mulher cuja alma se torna atenta à sua voz."

Milan Kundera


Assisto, depois de alguns anos "Insustentável Leveza do Ser", filme de Phillip Kaufman baseado no excelente livro de Milan Kundera. Filme belíssimo, com atuações excelentes de Daniel Day- Lewis e Juliette Binoche.
É a história de Tomas, um médico que pretende levar a vida com "leveza", sem compromisso com as convenções sociais, políticas, morais que "pesem" em sua vida. Dessa forma, embarca numa vida sexual livre, onde se permite viver as experiências conforme sua necessidade interna.
A certa altura ele conhece Tereza, uma jovem ingênua, interiorana, que logo entra em sua vida. Ao mesmo tempo, tem uma relação intensa com a "única mulher que o entende", Sabina, que , como ele, leva uma vida de liberdade sexual.
Como pano de fundo a situação política da Tchecoslováquia em 1968, com a tomada de Praga pela Rússia, impondo um regime totalitário contrário a toda proposta de liberdade de expressão da Primavera de Praga (aqui também a idéia de peso/leveza, a leveza foi tomada pelo "peso"), que implica grandes mudanças em suas vidas.

Sem dúvida é um filme difícil se visto de um ângulo moral, mas extremamente rico de um ponto de vista mais amplo, além dos pre- conceitos.
Tomas é um homem muito interessante. Ao mesmo tempo que transita descomprometido pelo terreno sexual, a parte valores culturais e morais, não conseguimos vê-lo como um cafajeste. Sua postura é autêntica e ele a vive de forma natural, inclusive no trato respeitoso com as mulheres, sendo até reverenciador. Em primeiro lugar pelo olhar profundo que ele dedica a cada uma a que lança o imperativo "tire a roupa". Ele não invade, não corta, não violenta. Ele hipnotiza, penetra, cativa. Depois pela intimidade que tem com as as amantes, ele divide pensamentos, idéias, compartilha, não é simplesmente um caçador primitivo, ele se envolve com cada uma delas. Como bem citou um amigo, ele pensa que está em busca de sexo mas está em busca da intimidade (assim como todos nós), em cada mulher ele busca uma única mulher.
Mas essa "leveza" também acaba levando-o a uma impessoalidade tamanha auto-suficiência que ele desenvolve adotando uma postura um tanto narcisista.

Ao mesmo tempo, Tereza vem para quebrar muitos paradigmas na vida de Tomas. Com ela ele descobre uma intimidade mais genuína (finalmente acorda ao lado de uma mulher) e uma relação mais profunda, por mais que não deixe de prosseguir com sua vida de liberdade sexual. Mas em algum momento, essa liberdade, essa leveza de folha ao vento, não se sustenta mais para nenhum dos dois e eles são conduzidos a avaliar suas vidas.

Tereza chega de mansinho e entra na vida de Tomas como um cachorrinho abandonado na porta de casa. Com sua fragilidade aparente, seu jeito de "passarinho", delicado e puro, ela desenvolve com ele uma relação muito profunda e complexa. A princípio se propõe a aceitá-lo como é, mesmo perturbada pelas imagens de traição que constantemente tomam sua mente. Numa relação quase simbiótica de carência em ser parte desse universo pelo amor que tem por Tomas, ela acaba muitas vezes violentando sua própria natureza.
Quando, depois de muito se entregar e mergulhar no universo do parceiro ela percebe que não consegue levar adiante, aí sim aparece uma mulher mais inteira, mais íntegra, que transforma sua vida e a vida desse homem.

Na outra ponta do triângulo está Sabina. A mulher que "gosta de deixar os lugares", que acaba se envolvendo com Franz, um homem casado e "bom" como ela mesma gostava de dizer. Mas um homem racional, preso a padrões e conceitos civilizados, que confrontam com sua liberdade idealizada e sua forma natural de viver.
Sabina é como se fosse a versão masculina de Tomas, uma mulher ousada, inteligente, mas que se recusa a ter uma relação mais profunda de convivência com um homem, vivendo de forma solta, desprendida. Como se cada homem tivesse que permanecer no mito para ser um amante perfeito, a humanidade da convivência talvez fosse algo difícil para lidar dentro do modo de vida que escolheu.

Cada um desse triângulo tem suas qualidades especiais. A leveza de Tomas, sua presença em viver o momento, sua autenticidade. A entrega de Tereza a relação, indo além das fronteiras imaginadas, mostrando-se uma mulher forte e madura, disposta realmente a "amar melhor".
A personalidade forte de Sabina, sua generosidade, independência de pensamento. A relação de "amizade" das duas amantes, que numa das cenas mais belas do filme, ambas se fotografam nuas, confrontando-se num jogo de poder mas que acabam rindo, numa humanidade que as torna semelhantes, no amor pelo mesmo homem que as fazem investigar uma a outra, numa entrega quase visceral.

E o respeito dentro dessas relações que tudo tinham para ser promíscuas. Há o não revelado, mas não há a falta de escrúpulo. Há o erotismo, mas não há vulgaridade. Aliás um ponto forte é como o diretor registra os corpos das personagens numa plástica belíssima que nos faz admirar o corpo humano como ele é, num contexto natural, fluido como deve ser a relação entre os corpos, e a relação de cada um com seu próprio corpo.
Como o próprio Tomas diz, cada mulher tem seu detalhe, sua particularidade.

Saio da sessão com um sentimento de que homens e mulheres realmente têm naturezas distintas, o que exige um amor verdadeiro para a aceitação dessas diferenças e para uma convivência profunda e saudável. É preciso transcender a paixão pelo "objeto" e mergulhar no amor pelo "ser". Não adianta fisicamente tentarmos saber como é o lugar do sexo oposto, não adianta mudar a roupa nessa alma, as naturezas sempre falarão mais alto.
E a traição não é essa variedade de parceiros, é a infidelidade com nossa natureza, com o que somos. A verdadeira fidelidade é natural, é um prazer em estar com uma só pessoa. Se convencionada, ela perde sua autenticidade, sendo apenas uma regra moral vazia, que gera expectativa, insegurança e sofrimento.

Mas o filme também mostra que é possível viver tudo isso com a aceitação do peso e da leveza de ser o que se é, de se viver o que se propõe.
Tentar viver qualquer uma apenas, será absolutamente insustentável.


"(...)Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez, sem preparação. Como se o ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio já é a própria vida? É isso que faz com que a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo "esboço" não é a palavra certa porque um esboço é sempre um projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é esboço de nada, é um esboço sem quadro(...)" -

Milan Kundera




P.S: Dedico ao Roberto Otsu pelas reflexões e muitas idéias aqui apresentadas em sua exibição na livraria Millenium.