terça-feira, 30 de junho de 2009

Last chance Harvey



" I have to tell you that is a relief to find someone who actually says what they're feeling and what they're thinking." Harvey Shine
(Eu tenho que te dizer que é um alívio encontrar alguém que realmente diz o que está sentindo e o que está pensando)


"Last Chance Harvey", traduzido como "Tinha de ser você" (tradução infeliz, aliás).
Dustin Hoffman e Emma Thompson estão excelentes nos papéis de Harvey e Kate. O melhor do filme não é sobre o que ele trata, mas como ele trata. É um filme que trata delicadamente as relações humanas em suas sutilezas.
Duas pessoas que se conhecem em momentos de vida sem muitas alternativas, momentos daqueles em que você se sente invisível, fracassado, sem rumo, com culpas, perdido (alguém aí sabe o que é isso? rs). Um detalhe interessante é que os protagonistas têm em média 50/60 anos e nesse caso as oportunidades parecem últimas chances, como os fracassos parecem o fim da linha. E por isso também o filme é muito belo, pois não oferece esperança, mas a visão da possibilidade sempre disponível de sermos transformados e transformarmos através do amor, tenha ele a forma que tiver, seja em qual momento for.
Uma das falas mais tocantes é o generoso discurso de Harvey para sua filha Susie, do fundo do seu orgulho e constrangimento:

" It's the children of divorce that suffer the most and she had her share of pain and disappointment (...) and this is a tribute to you Susan - it has served her well because she's somehow separated herself from the fracture of her birth family to become a strong, determined and independent woman. And yet you've kept your sensitivity and your vulnerability and your loveliness."
 

(São os filhos do divórcio que mais sofrem e ela teve sua parcela de dor e decepção (...) e este é um tributo a você Susan - isso serviu-lhe bem, porque de alguma forma ela separou-se da fratura de sua família de nascimento para se tornar uma mulher forte, determinada e independente. E ainda assim você manteve sua sensibilidade e sua vulnerabilidade e sua amabilidade)

Tenho observado as relações humanas que chamo de "nutritivas," um dos motivos que me fez apreciar ainda mais esse filme. Ele me reafirmou a dádiva das verdadeiras conexões humanas e esse milagre acontece quando relaxamos para nos expormos e nos abrirmos ao outro de forma autêntica, ao mesmo tempo que o outro, aberto, nos vê e nos ouve e a conexão flui sem esforço e sem precisar de artifícios. A vida traz todos os dias muitas chances dessas conexões, mas como a maioria das vezes é numa forma comum e prosaica, e não como idealizamos, nós deixamos passar por simplesmente não vermos.
Mas se pararmos pra observar, como são pesadas as idealizações... Como pesam as relações em que ambos são bonecos interpretando o que pode ser que doa menos, não ter espaço pra ser você mesmo e estar despido das regras de felicidade para um senso comum tão raso... Como pesa tudo que queremos sustentar e nem sabemos para quê...

"I'm more confortable with being disappointed. I think I'm angry with you for trying to take that away." Kate
(Estou mais confortável em ser decepcionada. Eu acho que estou com raiva de você por tentar tirar isso)

Aprendo com os protagonistas o que é o viver como se fosse sua última chance não por desespero, mas por despertar. Uma história linda, onde seres se acolhem, despertam juntos e dançam até cansar. E se cansam, tiram os sapatos e caminham juntos sem saber porque são ditas certas coisas. A bela incoerência de uma abertura pro outro sem que o conheça bem e a conexão foi feita sem que se saiba como. A deliciosa ignorância de não saber como, mas saber que está tudo bem, porque se está em casa, sendo o que se é.
E essa história não é mais bonita porque trata de um casal. Ela é linda porque trata de pessoas.

E como bem disse Contardo Calligaris "O diálogo que leva ao amor, que dá a cada um a vontade de se arriscar, não surge da sedução e do charme, mas da coragem de nos apresentarmos por nossas falhas, feridas e perdas. "


"- So how this is going to work, Mr. Shine?
- I have absolutely no idea. But it will."
(- Então como é que isto vai funcionar, Mr. Shine?
- Eu não faço a menor idéia. Mas vai.)




Dedico a todos os preciosos amigos


terça-feira, 16 de junho de 2009

Quand j'etais chanteur


"Já vi muitos casais se formarem e se separarem. Sei que estudando os movimentos dos dançarinos você entenderia muito mais as pessoas e o mundo."
Alain Moreau

Assisto a "Quand j'etais chanteur"(infelizmente traduzido como "Quando estou amando"), filme francês muito bom que retrata a relação do cantor Alain Moreau (ótimo Gerard Depardieu) com a corretora de imóveis Marion (também ótima Cecile De France) e como isso transforma suas vidas e o entorno deles.
Alain é um cantor de bailes que faz pequenas apresentações e não tem grandes pretensões de ir além disso. Marion é uma corretora de imóveis que tem uma relação conflituosa com seu filho e um passado misterioso.
Alain é aquele tipo distante do ideal feminino comum, não é bem sucedido, nem tão bonito e um tanto "brega". Marion é aquela mulher fria, um tanto antipática e arrogante, apesar de muito bonita, com quem a maioria dos homens não perderia muito tempo na conquista. O mais interessante no filme são como os esteriótipos se desenrolam, como tudo vai se transformado no decorrer da história, como numa dança.

Os esteriótipos estão por toda parte, acompanhados de idealizações e preconceitos. Esse é o ponto, na conquista, quem se fixa somente nas aparências perde. Quem saboreia a descoberta e a conexão humana, ganha, sempre. Pois não existem regras, existem pessoas.
Ganhamos quando conseguimos atravessar a barreira da aparência, dos conceitos, dos julgamentos. E mais, quando conseguimos olhar a pessoa em seu contexto, enfim, olhar a pessoa e não apenas um objeto que está ali para satisfazer nossas expectativas e desejos.
Dessa forma, Alain não é simplesmente brega e "falastrão", como Marion não é apenas fria e distante. Em cada um vemos, de acordo com o contexto, outras boas qualidades aflorarem (adoro essa palavra, ela lembra frescor, nascimento). Alain é também atencioso, gentil, cavalheiro, carinhoso. Marion é também afetuosa, companheira, sensível.

O que torna Alain um homem de presença e habilidade é sua autenticidade e maturidade. Ele sabe o que é, e não quer passar por nada mais, ele sabe o que quer e não se deixa abater pelas dificuldades que Marion coloca. Ele aproveita cada encontro para ocupar as brechas possíveis, para descobrir mais sobre essa mulher, e dessa forma a desafia sem jogar. A desafia não se submetendo (as negatividades dela então se voltam pra ela mesma lidar), não confrontando (ela é arredia e escaparia na mesma hora), mas delicadamente deslizando entre os nãos, as durezas, as resistências.
Da mesma forma, Marion vai se abrindo pouco a pouco, conforme se sente segura (afinal, ele é um conquistador e deve querer o que todos querem) e isso leva um certo tempo. O desafio despojado de Alain intensifica seu interesse por ele, seu trato com as pessoas e das pessoas com ele chegam até a despertar um certo "ciúme", um interesse em descobrir se realmente há algo mais além do rótulo que ela mesma lhe deu. A transparência de Alain desarma as tentativas de Marion de subestimá-lo. Cada um tem seu ponto fraco e suas formas de camuflá-los, mas conforme aprofundam, naturalmente essas máscaras caem, mostrando pessoas comuns que, como todas as outras, têm o desejo e o medo de se entregar (não a toa há a referência constante aos vulcões).
O que nos une e nos torna iguais é que somos todos os mesmos quando vulneráveis, e se há uma boa motivação na conquista, abre-se espaço para o amor.

Observo que quanto mais consciência temos de nós mesmos, quanto mais nos conhecemos sem nos idealizarmos tanto, conscientes de nossas limitações, mais podemos entender o outro. Dessa forma, conseguimos ultrapassar a superficialidade reconhecendo que o outro assim como nós, tem suas defesas e fraquezas. E temos condições de oferecer nossa habilidade, nosso melhor olhar e gesto, e, como numa dança, os passos são levados sem pensar, o entrosamento acontece naturalmente.

Esse filme me fez pensar nesses belos encontros que a vida proporciona, que nem sempre são os que atendem nossas expectativas ou têm um resultado de acordo. Mas os encontros que verdadeiramente nos transformam, nos invadem a ponto de não sermos os mesmos a partir dali.
E podem até não ser os mais românticos, mas com certeza são os mais plenos.



"Rendez vous, rendez vous..."
(Entregue-se, entregue-se...)




sexta-feira, 5 de junho de 2009

Inverno

"No meio da amargura e do ressentimento, vislumbramos a possibilidade da maitri. Ouvimos um choro de criança ou sentimos o cheiro do pão que alguém está assando. Sentimos o frescor do ar ou vemos a primeira flor brotar na primavera. Apesar de nós mesmos, somos despertados pela beleza, em nosso próprio quintal." Quando tudo se desfaz - Pema Chodron


Chega o inverno
O outono vem acontecendo aos poucos, a troca das folhas, a exposição nua e crua dos galhos
É hora de recolher-se na casa escura com apenas uma lareira acesa
E sentar a sala com os velhos medos, as velhas crenças
Abandonar o sentimento infantil de desamparo
Pela força real da mulher que se tornou
Dar as mãos as cicatrizes e tê-las como boas companhias
Abraçar as lembranças, guardar as referências e superá-las

Respirar a plenos pulmões a alegria e a dor
Levantar a cabeça, abrir o peito
Abrir o peito de novo, de novo, de novo
Incansavelmente, persistentemente
Como a cabra mítica que te rege
Pois hoje o valor está mais no vivido do que no acerto
Na medida em que não se tem culpa pelo que se é

Apropriar-se das escolhas com os devidos preços pagos
E não há rancor
Apropriar-se da força interminável de caráter
E não há ressentimento que sobreviva
Apropriar-se da dor do olhar que não recebeu
E te olhas ainda mais e a fundo e estás de acordo

Dessa forma, aceitas as condições reais do viver
A natureza do sonho e a sedução da ilusão
Desperta, levanta e anda no dia presente
É a única coisa que tens
E (respiro leve e profundamente, enquanto cai uma lágrima)
De nada mais necessitas.