terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Revolutionary Road

"Às vezes, conversava com meu pai sobre sonhos que eu acalentava e que implicariam mudanças grandes na minha vida.
Ele me escutava e, em geral, concluía: "Só que não basta sonhar, é preciso ter coragem".
Em suma, havia uma infelicidade específica que ele não queria para mim, a de quem cultiva seus desejos como se fossem "apenas um sonho", sem ter a ousadia de tentar vivê-los."


Contardo Calligaris



Revolutionary Road, traduzido para o português como "Apenas um sonho", ótimo filme de Sam Mendes com Kate Winslet e Leonardo di Caprio (excelentes). Desde "Beleza Americana" (do mesmo diretor), passando por "Pecados Íntimos" (com Winslet) um drama não me impactava tanto.
O filme trata de temas relevantes e delicados. Para começar de hipocrisia, das nossas "loucuras" não sublimadas, desejos embaixo do tapete que alimentam um lado sombrio que passa a ser um monstro que nos acompanha (quando nós mesmos não nos tornamos o monstro). Hipocrisia representada pelo esteriótipo de "propaganda de margarina" criado pelo "american way of life", onde ter um emprego bem sucedido, uma linda casa, a perfeita família e tudo de status que possa reforçar essa imagem é o grande sonho a ser realizado. Hoje, com essa crise que teve início como consequência desse "american dream", um país quebrado, onde o consumo e o endividamento exagerado chegaram ao ápice, talvez seja um bom momento para questionar com mais profundidade nossos desejos, o que realmente vale almejar.

April é frustrada por não ter sucesso como atriz. Quando se apaixonou por Frank, apaixonou-se pela idéia de que eram um casal muito especial capaz de fazer qualquer coisa. Frank não queria acabar como seu pai e sempre se questionou sobre o que realmente queria fazer na vida, talvez tenha se apaixonado pela mesma idéia quando conheceu a impetuosa April.
O tempo passa e eles se tornam exatamente comuns. Como é desconfortável ser comum, não ser especial, não ter histórias e feitos fabulosos para contar, mostrar aos vizinhos, algo que te diferencie dos outros de alguma forma, te dê um brilho diferente.
O sonho de morar em Paris, a possibilidade de realizar essa "loucura" e se tornar diferente de toda aquela gente os une numa nova paixão: um idealismo "infantil". Infantil pela falta de consistência e coragem de concretizá-lo. Quando os fatos começam a minar esse plano tem-se o climax do que o desejo e a falta de coragem podem realizar, de fato.

Há duas questões que se entrelaçam de forma muito sutil: é um grande problema almejar uma vida radicalmente diferente? Ou é um grande problema não aceitar a vida que se tem e sempre querer mais? Quem está certo? A "loucura" que April quer perseguir ou o "comodismo" de Frank?
Eu, pessoa quase sempre impetuosa, questionadora e cheia de idéias mirabolantes posso dizer que há diversas nuances. Já tive meus rompantes de querer dar um grande salto radical sonhando com uma vida extraordinária em outros países. Já dei um salto radical em mudar de uma profissão que eu gostava mas me sentia oprimida e infeliz por outra totalmente diferente e que me dá grande alegria (mas não menos trabalho...)
Descubro que a questão não é fazer o que se gosta, simplesmente. E é bem menos buscar somente o que nos dê prazer. Hoje observo que tem muito mais a ver com pagar o preço e fazer o que tem que ser feito.

Dessa forma, Frank estava mais "de acordo" com sua comodidade. Pagava o preço dia a dia de fazer o que não gostava fazendo o "que tem que ser feito" que é sustentar sua família, prover o melhor dentro do que aprendeu ser o estilo de vida desejável e socialmente bem aceito. April, sonhando com o futuro sempre, guardava todo ressentimento e frustração, jogando muitas vezes a responsabilidade dessa mudança para Frank. Mas também era capaz de desejar um emprego em Paris que a permitisse sustentar o marido e deixá-lo a vontade para descobrir o que queria fazer da vida...
Talvez o que faltasse a eles fosse um olhar de transgressão dentro do mainstream, uma liberdade de ser uma "família propaganda de margarina" não sendo uma família propaganda de margarina. É o que tenho aprendido muito com o budismo, esse brincar, dançar com as identidades e não simplesmente rejeitá-las ou se grudar nelas.
Talvez April pudesse ser algo além de atriz e dona-de-casa. Talvez Frank pudesse usar todo o sacrifício que era trabalhar naquela empresa fazendo viagens (a Paris inclusive) e pequenas "loucuras" no dia a dia mais além de transar com a secretária.

Faço um parênteses curioso: imaginando a possibilidade de não viver mais aquela vida, Frank trabalha muito melhor a ponto de receber uma proposta de promoção e April se abre bem mais a Frank a ponto de terem uma vida conjugal/familiar muito mais leve. Não é irônico que sem ter sequer viajado a Paris a vida deles já tenha se modificado espontaneamente?
Não é uma cidade, uma situação econômica, um marido, filhos que nos prendem. É nossa falta de perspecrtiva ampla, de nos olharmos além de executivos, pais, filhos, mulheres, atrizes, donas de casa. É nossa visão limitada de poucas possibilidades que nos encouraçam, e essa cabe apenas a nós mesmos transformar. E isso exige coragem e tem um preço.

Não a toa Paris é bem mais motivante, é muito menos dolorido imaginar uma vida em Paris a ter coragem de olhar para si mesmo.




P.S: Dedico a Pema Chodron que tem me ensinado muito sobre os lugares que assustam.
Aos ensinamentos do Lama Padma Samten, que me ajudam nos lapsos de lucidez
A todos os amigos pelo aprendizado e troca.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

A sós

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos." Fernando Pessoa


Chegou o momento.
Antes era um pouco mais fácil, não por força, sabedoria, mas por condições favoráveis. Era mais fácil estar a sós comigo quando os fatores externos colaboravam, de certa forma eles "anestesiavam" a inquietação interna, dando uma impressão superficial de que tudo estava fluindo e bem. Hoje descubro que não era bem assim, era muito mais fácil estar comigo porque meus desejos eram atendidos numa velocidade mais de acordo com minhas expectativas, meu ego tava confortável pois bem nutrido e eu achava que estava "bem resolvida".
Há um tempinho isso vem mudando. A impermanência ou tem sido maior e mais frequente ou eu só passei a notar quando comecei a tropeçar demais... Os confortos externos se não foram retirados de alguma forma, foram transformados para alguma coisa com a qual eu não poderia contar. As pessoas, se não foram embora, estavam perto demais para que eu pudesse vê-las então dava na mesma, acabava vendo mais a mim mesma.
Dia após dia eu parecia estar no enredo de um filme dos irmãos Cohen, sucessões de ironias, muitas sem nenhuma graça mas a minha própria era a mais infeliz.
No começo isso pesou, como tudo podia mudar assim? O que eu tinha feito? Que karma estava atuando? Enfim, mil perguntas controladoras que não chegavam a lugar algum.
Na fase seguinte, comecei a me divertir. Uma rasteira atrás da outra e de tão impotente não podia mais fazer nada a não ser sentar no chão e rir. Começou a ficar muito cômico o que nunca foi trágico, a saga de mim comigo mesma que eu não tinha notado que estava apenas começando...

Hoje lá pelo capítulo 20, depois de algumas boas situações favoráveis, do ego brincar de estica e solta, depois de me machucar um pouco com decisões equivocadas e de ir ao topo com outras tantas maravilhosas, cá estou a sós.
Eu tenho me chamado muito desde o começo do ano. Uma hora pelo físico, outra pelo emocional, mas agora no clímax, pela alma. E dessa nunca consegui escapar.
Está dolorido, está pleno, está confuso. A última dessas me fez dar uma virada graus e mudar de profissão. Não vou negar que estou com medo, muito mais do que sou capaz do que do que pode me faltar, mas mal espero pra me atirar no precipício.
Não a toa a melhor coisa desses dias é poder mergulhar no rio gelado, no escuro, sempre que posso. Tenho procurado o escuro e qualquer coisa que me faça perder o controle sem me perder, sem escuridão não vejo vagalumes!
A natureza mais uma vez e sempre é minha mãe, meu pai, eu mesma. Ela me motiva, me abraça, me sacode e me devolve lucidez.

Ainda assim, não está fácil ficar a sós comigo. Mas eu desejo tanto esse encontro (tanto quanto eu admirava quem entrava no rio gelado e eu colocava só a ponta dos pés...) que no fundo eu sei que a hora em que eu me atirar, não vou querer sair tão cedo.
Esse é o momento, essa verdade é muito difícil de enfrentar.

O que você quer, afinal?

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Sobre homens


Eles são pontudos, retos.
Eles são diretos.
Eles conduzem como ninguém, fazem rir deliciosamente.
Eles não sabem pedir colo, mas estão sempre disponíveis pro carinho.
Não resistem a um mistério, a uma curva, um pedaço.
Eles gostam de pedaços, trechos, partes.
Pouco sabem dizer não... o que muitas vezes é uma pena...
Difícil saber o que passa na cabeça deles nos hiatos
Por mais óbvio que seja o que se passa na cabeça de um homem...
Eles nos confundem não pelo mistério
Mas pela nossa própria natureza confusa diante da simplicidade deles.
Eles simplificam.

Eles apertam, penetram, espremem, são força bruta com incrível sutileza.
Eles pensam pouco e uma coisa de cada vez.
Eles têm hora pra conversar.
Se divertem com bobagens.

Seguram a emoção até onde podem
Mas estou pra ver coisa mais linda que as lágrimas sinceras de um homem.
Se prestar bem atenção consegue-se ver estrelas nos seus olhos úmidos.
O sorriso é um pouco mais fácil, nem por isso de menor beleza.
Eles olham forte e olham fundo.

O cheiro é bom, a textura é macia e rígida,
Uma segunda pele, uma concha, um cobertor.
Seu peso sobre o corpo é intersecção perfeita.
O encaixe da sede que busca e o ritmo, êxtase.

Eles sentem raiva das nossas confusões na mesma proporção que querem entendê-las.
Eles não querem competir, eles querem conquistar.
Eles amam verdadeiramente e desamam na mesma medida.
E isso as vezes dói.
Eles não são de entender, eles não são de se explicar.
Eles são de degustar, tatear, desabotoar, envolver.
Nossos maiores mestres sobre viver o presente.

Eles são de ver, voyeurs por natureza.
Não adianta esperar que eles não vejam e que não desejem
Nada ameaça um vínculo que um homem criou com sua mulher.
Eles querem que a gente confie, entregue.
E nós queremos desesperadamente confiar e nos entregar.


Eles são e sempre serão meninos, quando você conseguir adentrar devagarinho, redondinha o seu coração.






P.S: Dedico aos homens.