domingo, 14 de fevereiro de 2010

Crash



"You think you know yourself? You have no idea..."

"É o senso do toque, sentimos falta do toque, damos encontrões uns nos outros para sentirmos alguma coisa" Crash - No limite




Rever o filme Crash foi como um wake up call pra muitas coisas que estavam no ponto por aqui.
O melhor dele não são as atuações, nem a direção, nem a fotografia; o melhor desse filme é simplesmente assisti-lo, atento, pausando, contemplando. Não vou citar as histórias, nem os personagens, e talvez isso não seja generoso da minha parte para com o leitor, minha intenção em escrever é que vocês assistam ao filme, enquanto isso, se alguma de minhas idéias contribuirem será muito bom. E se depois quiserem compartilhar comigo, será melhor ainda.

O grande êxito de Crash é que ele atua muito bem em nosso autocentramento. Se tivermos um olhar mais observador e sereno a sensação de vazio que ele desperta gera uma compaixão imediata. Em mim foi um vazio não de indignação, talvez um pouco niilista, mas melhor : o vazio de um beco sem saída. Dessa vez foi mais intenso, como se na tela da TV fossem mostrados didaticamente como os mecanismos que usamos na vida simplesmente não funcionam. Um chamado de realidade nada esperançosa, altamente libertadora mas nem por isso sem tristeza, uma tristeza fina que faz sorrir no final como se outro caminho de repente se abrisse. Assistir Crash foi como ler Pema Chodron, aliás um de seus títulos seria perfeito, "Quando tudo se desfaz".

Crash trata de várias pequenas histórias que acontecem paralelamente e se cruzam numa teia muito fina, que nós espectadores não conseguimos enxergar bem, mas sofremos seu impacto. Em passes de mágica, situações, conceitos, paradigmas são feitos e desfeitos, construídos e desconstruídos e a sensação que temos é que no fim tudo não passará de um sonho. Pois bem, me dei conta que o sonho era exatamente o que acontece por aqui, todo dia.
Basicamente a idéia reforçada no filme é que não há saída enquanto colocarmos nossas fichas nas coisas que pertencem a essa vida comum (que no Budismo se chama samsara). Não há segurança, não há garantia, há uma sucessão de equívocos, uma sucessão de frustrações. Como numa sala de espelhos nos perdemos em nossa ilusão dos fatos, de nossas identidades e das identidades dos outros.
O filme coloca nossas ilusões a prova: de que estamos separados uns dos outros, de que a realidade existe independentemente de nós, de que há o bom e o mau. É tênue a linha que une os opostos, a vida e a morte, o certo e errado, o amor e o ódio, todas as dualidades a que estamos acostumados e que usamos indiscriminadamente para rotular, julgar, conceituar.
Mas mostra como é fina também a linha entre um tipo de consciência comum e um outro tipo mais elevado. Como essa outra consciência está acessível o tempo todo, o "salto quântico" depende apenas de frações de segundo de consciência.

Por uma ironia, nessa mesma semana sofro um acidente que se resulta em cinco pontos na cabeça (crash in the head!). Disso me restou apenas uma frase, literalmente a consciência me salvou pois caso tivesse desmaiado a situação seria muito mais grave e a possibilidade de morte não seria pequena. O mesmo me ocorre em relação ao filme, um pequeno lapso de consciência muda todo contexto, um pequeno instante de consciência além da mera repetição e condicionamento é o suficiente para uma mudança de direção e quem sabe de visão dos personagens, inclusive sendo também a diferença entre estar vivo ou morto numa "colisão".
Sendo assim tudo se relativiza, não se sabe mais quem é bom ou mau, quem está certo ou errado. O que vemos são seres perdidos dentro das próprias teias que criaram , vemos como estamos interligados e nesse momento sentimos uma solidariedade interessante, porque sabemos que o ponto extremo a que chegam os personagens pode realmente acontecer e acontece conosco também.

Talvez essa seja a única esperança que o filme reforce, justamente por não haver esperança alguma, tudo está disponível nesse exato momento. Não há privilégio, nem de classe social, nem de raça, nem de nehuma outra forma. A esperança é que enquanto tudo estiver vazio, tudo é absolutamente possível, nesse exato momento, esse é o momento de usar nossa liberdade de olhar a realidade com toda a sua insubstancialidade e mesmo assim poder sorrir e seguir em direções mais positivas não apenas por nós, mas para o todo a que pertencemos.


"- What are you laughing at?
- People man... People..."




P.S: Dedico ao Rodrigo, pelo encontro altamente inspirador.
Dedico a Stela pelo incentivo constante com meus escritos e pelas várias vezes que mencionou a palavra "maravilhoso" num só encontro rs