quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Por que você não me conta um segredo?

A Pele
com Nicole Kidman e Robert Downey Jr.

História baseada na biografia de Diane Arbus. Uma jovem mulher casada com um fotógrafo de quem é assistente, encontra em seu misterioso e inacessível vizinho o que falta em sua vida "perfeita".
Paro por aqui. O filme é muito mais do que isso, acreditem, e fazer um resumo vai tirar toda sua magia. Não há como deixar de viajar com Dee Ann, ou através dela.

As brechas de nós mesmos são os espaços ocupados pelos nossos desejos. Como num álbum vazio, apenas com legendas. E os nossos pequeninos segredos vão preenchendo os cantos da casa como poeira.
Que tipo de existência é a minha? Um olhar curioso que acompanha o que atrai. Um não olhar pra tudo aquilo que me causa aversão. Um não olhar pra tudo que julgo não ter "nada a ver comigo."
Me enfio em tudo quanto é canto. Participo, não reluto diante de uma novidade agradável. Como um gatinho seguindo o cheiro do atum. E quando chega e aquela luminância não é a mesma, o brilho mudou, o cheiro já se foi, agora vem o gosto... E o que tem depois do gosto? Desejo, desejo, desejo.
Quando chegamos a conhecer a verdadeira beleza ela se vai... Como quando tentamos fotografar vagalumes na escuridão.
Que existência fulgaz, vem como onda em cima de toda minha avidez!

Por que você não me conta um segredo? Me dê esse pequeno presentinho envolto em caixinha de veludo, e depois tire a pele, se despe pra mim.
Todos nós estamos esperando por isso na sala. Pra não ver ficamos no quarto.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Peço Silêncio


"Agora me deixem tranquilo.
Agora se acostumem sem mim.

Eu vou cerrar os meus olhos.

Somente quero cinco coisas,
cinco raízes preferidas.

Uma é o amor sem fim.

A segunda é ver o outono.
Não posso ser sem que as folhas voem e voltem a terra.

A terceira é o grave inverno,
a chuva que amei, a carícia do fogo silvestre.

Em quarto lugar o verão
redondo como uma melancia.

A quinta coisa são teus olhos,
não quero dormir sem teus olhos,
não quero ser sem que me olhes:
eu mudo a primavera
para que sigas me olhando.
Amigos, isso é o quanto quero.
É quase nada e quase tudo.

Agora se querem podem ir.

Vivi tanto que um dia
terão de por força me esquecer,
apagando-me do quadro negro:
meu coração foi interminável.

Porém porque peço silêncio
não creiam que vou morrer:
passa comigo o contrário:
SUCEDE QUE VOU VIVER."

Pablo Neruda

Ode


"Desta vez me deixa ser feliz.
Nada aconteceu a ninguém,
não estou em parte alguma,
simplesmente sucede
que sou feliz
pelos quatro costados
do coração, andando,
dormindo ou escrevendo.
O que posso fazer, sou feliz.

Tu a meu lado na areia,
és areia,
tu canta e és canto,
o mundo
é hoje minha alma:
canto e areia
o mundo é hoje tua boca;
me deixa
em tua boca e na areia
ser feliz,
ser feliz porque sim, porque respiro
e porque tu respiras,
ser feliz porque toco
teu joelho
e é como se tocasse
a pele azul do céu
e sua frescura.

Hoje me deixa
só a mim
ser feliz,
com todos ou sem todos,
ser feliz
com a relva
e a areia,
ser feliz
com o ar e a terra,
ser feliz
contigo com a tua boca

ser feliz"

Pablo Neruda


Dedicado a Margot pela doce inspiração.
"Estamos aqui no meio do deserto, perdidos nessa noite escura, sedentos por uma chuva de beijos"
Neruda

Retorno


Dias de inocência, brincadeira leve, alegria no olhar, aperto de mão e olho no olho. Dias vividos. Eu estava pela primeira vez em tantas aventuras, realmente em casa. Cabeça vazia, coração cheio de afeto e paz, muita paz.
Observar a simplicidade, a felicidade com o que é essencial, a união, camaradagem, receptividade, meu Deus, que riqueza. Uma terra rica em recursos naturais, rica em alimento, rica em qualidade de vida, rica em alegria de viver.
Poucos momentos me fizeram sentir tanta vida. Vida pulsando em todo lugar, momento presente, vontade de aproveitar intensamente essas bênçãos que caiam do céu como a chuva na cachoeira. Ah, as cachoeiras, surpresas cristalinas depois da jornada. Limpeza de alma, de mente e de corpo. Vitalidade e renovação. Natureza pura.
O mar com seu azul vibrante, suas areias macias, seus coqueiros paradisíacos. O mar de mainha, o mar misterioso e imprevisível. O mar dos dançarinos de ondas.
A mata, a jornada. Por vezes aberta, outras mais fechada. Tudo funcionando em perfeita harmonia. Há um porquê da árvore ser assim, estar assim. Do bicho estar lá. Aprendi que a maioria dos seres que eu temia nos lugares mais selvagens, não atacam, eles apenas se defendem. Estão quietos e nós estamos no seu espaço, é instintivo se defender com veneno, queimadura, picada ou mordida. É o único jeito de se preservar. Então vale o julgamento? Esse bicho é bom, esse é mal, esse é traiçoeiro… Ele só quer sobreviver.
Reconsiderei demais a palavra julgamento. Percebi quantas vezes a ferida me faz ter um julgamento severo sobre situações e pessoas. Por que lá a água viva queimou e não impediu a caminhada? Porque a bolha no pé não tornou a jornada mais difícil? Nada disso era capaz de tirar o sorriso do rosto, era uma energia muito forte, xamânica que me tomava. Me senti parte daquilo tudo com meu desprendimento. O pé no chão na lama, comer fruta com as mãos... feliz retorno que me pegou fundo. Retorno ao lugar a que pertenço.
Estou um pouco assustada com minha própria liberdade. Acho que estou assustada com o tamanho da minha força e minha capacidade de desprendimento. E um pouco triste como se tivesse adentrado um portal onde perdi tudo isso. Como se tivesse ficado lá e continuasse ecoando aqui, fazendo barulho, mexendo.
Quero movimentar mas preciso silenciar. As vezes choro baixinho de alegria. As vezes dou risada sem motivo, de tristeza.

Estou com saudades de quem sou.
E ainda sou uma pessoa de muita sorte.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Pessoas me interessam



Pessoas me interessam
Pessoas me fascinam
Pessoas me iluminam
Ramón, perseverança. Sua busca por uma vida diferente, pouca idade mas muitas histórias, sua marca é seu sorriso aberto, alegria, leveza. Faz seu trabalho com amor, conhece as plantas, as árvores, a dinâmica da mata, dos manguezais, das cachoeiras e das praias. Um homem conectado com a natureza, amigo de todos. Sua felicidade contagiava tanto quanto o sol. Suas palavras de busca, espiritualidade e sensibilidade comoviam e inspiravam.

Pedrão, sujeito engraçado de personalidade forte. Seu único mal é fome, se comer tá tudo bem. E como come! Gosta de tirar um cochilo, leva a vida na manha e não aceita desaforo. Mas se houver sintonia você vê a doçura, vê a alegria. Ele conhece o rio, o mangue, ele sabe respeita o ritmo da natureza, sabe a hora de avançar e recuar.

Gazo, muita fibra. Homem trabalhador, mestre da fazenda. Ele conduz, ele lidera com mãos firmes. E dá aquele sorriso e um tapinha no ombro numa camaradagem acolhedora.

Seu Artur, doce. Lê-se no rosto a labuta que vive e o queijo coalho sai saboroso porque é feito com seu sorriso.

Seu Vladimir, orgulho de ter 8 profissões. “Nada na vida é impossível. Aprendi tudo que eu quis. Hoje me viro em qualquer lugar que chego. Não adianta esperar cair do céu, tem que ir atrás, que qualquer coisa a gente pode fazer.” Quando fala assim, com orgulho, sorri que é uma beleza.

Reynold Rytz, austríaco que me mostrou coisas que muitas vezes eu questionei e ele estava vivenciando no dia a dia como ativista . Olhar forte, viajante idealista e romântico. Guardo com carinho o Danúbio Azul cheio de M&M's e doçura.

Luis, Paçoquinha, Felipe contador de histórias, Di Menor, Milton... e tantas outras pessoas lindas que cruzaram o caminho e deixaram um rastro de vontade e alegria de viver. Como disse Ramón "sabedoria que vem da vivência e não só dos livros".

Vontade era ficar, mas sigo em frente feliz, muito feliz.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Insights, visões e a vida fluindo


Pane. Um pequeno surto de medo pelas projeções e preocupações, como se os problemas fossem a realidade da minha vida. Optei por fazer diferente, me observei em meio a tantas oscilações como se estivesse bem no meio do furacão, tentando ficar firme no chão e suportando toda pressão e ventania sem ser arrastado por ele. E o sentimento mais profundo que surge é a gratidão.

A aventura da salsa dançada
O banho dos sonhos que me esperava sem que eu fizesse a menor idéia
Os filmes
A visita deliciosiamente inesperada
O encontro leve com amigos
A viagem aguardada

Hoje descubro que um ótimo antídoto para o medo é agradecer. Agradecendo reconhecemos as graças e o melhor em nós surge naturalmente. E um outro antídoto, para a culpa, é deixar ir e se abrir. Deixar escoar pelo ralo o que não faz sentido, o que não serve, o que limita.

Abrir os olhos para olhar. Ver a beleza em todo lugar, a energia pulsante de cada momento. As portas abertas, as respostas generosamente dadas. E para isso basta estar disposto. Nada mais que isso. Desejar e estar disposto, e a mágica está feita. Pois o "como", a forma, não nos pertence.
Ela simplesmente acontece.

O céu está criado.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

A vida secreta das palavras


2008 chega. Surpreendendo.
Descubro uma fonte e uma floresta encantada bem na frente da minha casa. Passando de carro várias vezes, nunca percebi. O trânsito, o estresse, a distração. Tudo isso que deixa a gente um pouco mais cega pras coisas belas da vida. Uma fada me levou até lá e até um pouquinho do seu universo. Posso dizer, o ano começou muito intenso, feliz, surpreendente. Música, silêncio e filme. Fiquei devendo dançar, mas acho que como o fiz muito nas últimas semanas, me contentei em cantar.

Hoje assisti "A vida secreta das palavras". Lindo. Sarah Polley como sempre muito bem. Tim Robbins sem comentários, além de extremamente sexy. Sexy por ser interessante e pelas feridas literalmente expostas.
Mais um filme sobre "cura". Um casal que se cura e a cura vem do encontro inesperado. Não vou comentar muito para não estragar a surpresa do enredo, mas esse diálogo é um dos mais belos que já ouvi:

"-Hanna, come with me.
- I don't think it'll be possible because... I think that if we go away to some place together, I'm afraid that one day...maybe not today, may be not tomorrow either, but one day suddenly... I may begin to cry so very much that nothing or nobody can stop me and the tears will fill the room, and I won't be able to breathe and I will pull you down with me and we both will drown.
-I'll learn how to swim Hanna. I swear I'll learn how to swim."

Por um instante muito rápido, lembrei dos momentos mais interessantes que passei na companhia de alguns homens. Com certeza foram aqueles em que pude ver suas fragilidades, admirar sua força e em raras vezes presenciar a beleza de suas lágrimas.
Aquele que se defendia por ter sido traído, e tudo que procurava com as drogas e o isolamento era a chance de se abrir e voltar a ser menino.
Um me contou toda sua vida, suas "rotas de colisão", seus desejos para o futuro, suas fotos de infância.
Outro me disse sobre seu medo de ficar só, seus "traumas" eram nítidos, tentativa vã, escondê-los...
Este me contou sobre sua infância míope, sobre viver isolado num mundo em que interagia apenas por duas grandes e grossas lentes de vidro. Pena não ter chegado a conhecer seus óculos, infelizmente suas lentes foram o único filtro pelo qual ele me via...

Eu, "just a fucked (and lucky) girl trying to find my peace of mind". Eu, apenas uma garota em busca da cura. Cura de toda a culpa que ainda sinto por ter acreditado que alguns erros nunca serão perdoados.
Erros são perdoados, erros são corrigidos. Eles são lavados com lágrimas e compartilhados com todos "que aprenderem a nadar".
E eu espero, todo dia, uma grande oportunidade de fazê-lo.


Um 2008 de cura e (re)nascimento a cada um de nós.

Dedicado a todos os homens que me deram o privilégio de compartilhar sua abertura.