Dolls, filme japonês dirigido por Takeshi Kitano.
Assisti numa sessão mensal que acontece numa livraria, sob a mediação de Roberto Otsu. Tento reproduzir algumas idéias debatidas.
O filme é muito simbólico e sutil, talvez por isso muito forte, com cenas belíssimas em cores e fotografia. Ele trata de 03 histórias de amor, sendo a primeira a central.
Muitos tiveram a impressão do filme tratar de destino, e na verdade a força invisível que leva todos os personagens é a do mito. Ser o mito, viver em função do mito é o que determina o enredo dessas relações, não a toa o filme começa e termina com um teatro de bonecos no estilo Bunraku.
O mito é o amor romântico, que continua firme e fortemente alimentado há tempos no nosso inconsciente. A paixão com suas idealizações exageradas, projeções cegas, que nos arrebatam e podem nos arrastar para abismos.
Na primeira história, a garota que perde o amado com quem ia se casar. Ele parecia preencher todas as lacunas existenciais daquela garota, e ao abandoná-la faz com que ela se perca a ponto de tentar suicídio. Perder seu sonho cor de rosa, seu brinquedo, ser uma borboleta sem asa faz com que ela sobreviva numa apatia vegetativa. E ele, com toda culpa, segue ligado a ela numa existência dolorida, sem direção, literalmente penando entre as estações do ano e os lugares que marcaram aquele relacionamento.
Na segunda, a mulher que para no tempo após o abandono. Sai todo dia de casa, usando a mesma roupa para esperar pelo seu amor. Nesse mundo de fantasia sua motivação continua firme e com sentido, mas quando aparece alguém de carne e osso, não é possível pra ela viver a realidade da paixão.
Na terceira, a popstar que tem em seu maior fã um apaixonado. Ela sofre um acidente que desfigura parte do seu rosto e se isola do mundo. Para lidar com isso e chegar até ela, ele se cega. Aqui fica muito clara a questão do mito, ele só existe na idealização, a partir do momento que conhecemos suas nunaces humanas e reais ele não consegue sobreviver. Por isso ela não teve saída senão se isolar para permanecer no imaginário coletivo, e ele não tinha outra forma de viver essa paixão se não se cegasse para ela. Não a vendo como humana, desfigurada, e sim como a última imagem de um livro.
Quanto mais nos distanciamos da nossa essência, do nosso eu mais profundo ou como quer que se chame, mais certo que atrairemos opostos complementares e paixões avassaladoras. É como se nossa psique fizesse sempre uma compensação: quando há muita racionalidade e pouca emoção, normalmente nos atraimos por pessoas muito emotivas e vice-versa, para que a energia seja compensada de alguma forma. Na falta de consciência ela nos leva como um turbilhão, aí somos arrastados pelas paixões. Quanto mais básica for a energia de uma pessoa mais ela se atrairá pelo superficial, quanto mais ela se elevar, mais se atrairá pela profundidade. Roberto citou esse mito que achei bem interessante:
"Na mitologia grega, Páris era um dos mais novos filhos do rei Príamo, de Tróia. Foi escolhido pelas deusas Hera, Atena e Afrodite para eleger qual delas era a mais bela. Cada deusa, buscando suborná-lo para ser eleita, prometeu-lhe riquezas e vitórias, mas Afrodite lhe garantiu que se casaria com a mulher mais bela do mundo, a princesa Helena de Esparta. Páris elegeu Afrodite como a mais bela das três, despertando a ira de Atena e Hera, que enviaram os exércitos gregos para destruir Tróia. Conhecido como um príncipe covarde e volúvel, Páris acha que os únicos prazeres que deveria dar valor eram os da carne. Somente após uma visão atribuida a Apolo, Páris resolveu batalhar na guerra de Tróia."
Aplicando esse mito na dinâmica das relações é interessante observar que nossas escolhas são em sua maioria conduzidas nem tanto pela idade cronológica, mas pela maturidade resultante de experiências de vida. Então não há como querer que alguém cuja visão de vida ainda tenda para o básico, superficial, valorize a sabedoria. Entender isso talvez nos faça lidar melhor com as frustrações e idealizações.
A paixão deve ser vivida, ela é uma energia importante e vital, mas é possivel que com consciência vivamos esse sentimento de uma forma que não nos domine e nem por isso, menos intensa. Quanto mais autoconhecimento tivermos, menos seremos levados pelos encantos idealizados e projetados, pela necessidade de se completar através do outro. E dessa forma podemos transmutar para o amor, esse sim, sentimento que vivido com consciência é libertador e permite estalabelecer relações profundas.
No final das contas, chegamos a conclusão que, ou matamos o mito ou morreremos por ele.
P.S: Todos os créditos das idéias para o Roberto e o grupo, eu fui praticamente uma ouvinte.
P.S2: Todos os créditos de um dia feliz as pessoas que por coincidência encontrei por lá
Assisti numa sessão mensal que acontece numa livraria, sob a mediação de Roberto Otsu. Tento reproduzir algumas idéias debatidas.
O filme é muito simbólico e sutil, talvez por isso muito forte, com cenas belíssimas em cores e fotografia. Ele trata de 03 histórias de amor, sendo a primeira a central.
Muitos tiveram a impressão do filme tratar de destino, e na verdade a força invisível que leva todos os personagens é a do mito. Ser o mito, viver em função do mito é o que determina o enredo dessas relações, não a toa o filme começa e termina com um teatro de bonecos no estilo Bunraku.
O mito é o amor romântico, que continua firme e fortemente alimentado há tempos no nosso inconsciente. A paixão com suas idealizações exageradas, projeções cegas, que nos arrebatam e podem nos arrastar para abismos.
Na primeira história, a garota que perde o amado com quem ia se casar. Ele parecia preencher todas as lacunas existenciais daquela garota, e ao abandoná-la faz com que ela se perca a ponto de tentar suicídio. Perder seu sonho cor de rosa, seu brinquedo, ser uma borboleta sem asa faz com que ela sobreviva numa apatia vegetativa. E ele, com toda culpa, segue ligado a ela numa existência dolorida, sem direção, literalmente penando entre as estações do ano e os lugares que marcaram aquele relacionamento.
Na segunda, a mulher que para no tempo após o abandono. Sai todo dia de casa, usando a mesma roupa para esperar pelo seu amor. Nesse mundo de fantasia sua motivação continua firme e com sentido, mas quando aparece alguém de carne e osso, não é possível pra ela viver a realidade da paixão.
Na terceira, a popstar que tem em seu maior fã um apaixonado. Ela sofre um acidente que desfigura parte do seu rosto e se isola do mundo. Para lidar com isso e chegar até ela, ele se cega. Aqui fica muito clara a questão do mito, ele só existe na idealização, a partir do momento que conhecemos suas nunaces humanas e reais ele não consegue sobreviver. Por isso ela não teve saída senão se isolar para permanecer no imaginário coletivo, e ele não tinha outra forma de viver essa paixão se não se cegasse para ela. Não a vendo como humana, desfigurada, e sim como a última imagem de um livro.
Quanto mais nos distanciamos da nossa essência, do nosso eu mais profundo ou como quer que se chame, mais certo que atrairemos opostos complementares e paixões avassaladoras. É como se nossa psique fizesse sempre uma compensação: quando há muita racionalidade e pouca emoção, normalmente nos atraimos por pessoas muito emotivas e vice-versa, para que a energia seja compensada de alguma forma. Na falta de consciência ela nos leva como um turbilhão, aí somos arrastados pelas paixões. Quanto mais básica for a energia de uma pessoa mais ela se atrairá pelo superficial, quanto mais ela se elevar, mais se atrairá pela profundidade. Roberto citou esse mito que achei bem interessante:
"Na mitologia grega, Páris era um dos mais novos filhos do rei Príamo, de Tróia. Foi escolhido pelas deusas Hera, Atena e Afrodite para eleger qual delas era a mais bela. Cada deusa, buscando suborná-lo para ser eleita, prometeu-lhe riquezas e vitórias, mas Afrodite lhe garantiu que se casaria com a mulher mais bela do mundo, a princesa Helena de Esparta. Páris elegeu Afrodite como a mais bela das três, despertando a ira de Atena e Hera, que enviaram os exércitos gregos para destruir Tróia. Conhecido como um príncipe covarde e volúvel, Páris acha que os únicos prazeres que deveria dar valor eram os da carne. Somente após uma visão atribuida a Apolo, Páris resolveu batalhar na guerra de Tróia."
Aplicando esse mito na dinâmica das relações é interessante observar que nossas escolhas são em sua maioria conduzidas nem tanto pela idade cronológica, mas pela maturidade resultante de experiências de vida. Então não há como querer que alguém cuja visão de vida ainda tenda para o básico, superficial, valorize a sabedoria. Entender isso talvez nos faça lidar melhor com as frustrações e idealizações.
A paixão deve ser vivida, ela é uma energia importante e vital, mas é possivel que com consciência vivamos esse sentimento de uma forma que não nos domine e nem por isso, menos intensa. Quanto mais autoconhecimento tivermos, menos seremos levados pelos encantos idealizados e projetados, pela necessidade de se completar através do outro. E dessa forma podemos transmutar para o amor, esse sim, sentimento que vivido com consciência é libertador e permite estalabelecer relações profundas.
No final das contas, chegamos a conclusão que, ou matamos o mito ou morreremos por ele.
P.S: Todos os créditos das idéias para o Roberto e o grupo, eu fui praticamente uma ouvinte.
P.S2: Todos os créditos de um dia feliz as pessoas que por coincidência encontrei por lá
Um comentário:
Oi, Alessandra!
Você reproduziu com perfeição o que foi debatido na sessão do filme "Dolls". Gostei muito da maneira objetiva que você escreveu seus comentários.
Obrigado de novo pelos créditos!
Admiro sua postura elegante e profissional no seu blog.
Beijo grande!
Roberto Otsu
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