quarta-feira, 1 de abril de 2009

Caos Calmo


"Um ser humano é parte de um todo que chamamos "o universo", uma parte limitada no espaço e no tempo. Ele sente a si próprio , seus pensamentos e emoções, como algo separado do resto - um tipo de ilusão de ótica da consciência. Para nós, essa ilusão é uma espécie de prisão, restringindo-nos a nossos desejos e afeições pessoais para com algumas pessoas mais próximas. Nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos dessa prisão, ampliando nosso círculo de compreensão e compaixão, de modo que possa incluir em sua beleza todas as criaturas viventes e a totalidade da natureza."

Albert Einstein


Assisto a "Caos Calmo", do diretor Antonio Luigi Grimaldi, com Nanni Moretti (do ótimo "O quarto do filho"). Filme sublime: humano e tangível, que nos faz deixar de lado o espectador e sentar ao lado da personagem. Trata-se da história de Pietro, que perde a esposa enquanto salva a vida de uma outra mulher na praia. A partir disso, ele resolve viver a ausência e a dor deixando a filha todos os dias na escola e permanecendo na praça em frente a janela da sala de aula.

A atuação de Nanni é perturbadoramente visceral. O caos acontece ao redor, tudo desaba, o "irreversível" acontece. Mas Pietro parece se apoiar na parte "reversível", um luminoso "a partir de" diante da grande perda. Ao invés de se afundar em depressão, ele tenta se manter em pé por sua filha Cláudia. Ela se mantém como o pai, como se ambos estivessem lidando serenamente com o fato (como diz no filme, até uma certa idade os filhos reproduzem os sentimentos dos pais). Esse laço ao mesmo tempo que mantém a dor profunda velada, os fortalece pela cumplicidade.

Mas o mais interessante do filme é essa sensação que ele traz de uma bomba relógio iminentemente a explodir misturada a uma paz inexplicável. Ao invés de se recolher, Pietro se expõe numa praça. Não  solicitando ajuda e conforto como seria o mais comum. Ele fica imóvel, observa, interage, se interessa, conecta. Dessa forma, numa inversão surpreendente, ele é quem mais ajuda, ouve, fica a disposição do que qualquer outra coisa. Pietro se doa dentro da dor e sem perceber, a vida segue naturalmente fluida, a energia volta a circular e cria conexões positivas que fazem as pessoas quererem estar por perto, atraindo inclusive mulheres, trabalho, amigos.
Por estar ali, imóvel e presente, oferecendo de si sem precisar de palavras mas com a energia dessa presença, Pietro transforma a cada momento o caos em que vive. Como numa meditação profunda, onde tudo acontece lá fora, os barulhos, os sons, as nuvens no céu, mas algo se mantém estável, autônomo, firme.

Pietro vai renascendo a cada olhar de nascimento que ele lança. É um processo simultâneo. Alguma vez na vida já nos sentimos assim, a medida que enxergamos qualidades nas pessoas pelo olhar que lançamos a elas, renascemos positivamente. Não há forma mais bonita de se manter dentro do caos, sair de si mesmo mas respirar a dor, senti-la visceralmente em suas entranhas, olhá-la e depois a abraçá-la. Abraçando a dor você vai perceber que ela não é sua, mas de todos. A partir dela, pode-se renascer além dela. Assim podemos ressurgir no mundo de outra forma e permitir que outros também ressurjam sob uma outra perspectiva.

Não há nada mais interessante do que pessoas que vivem inteiramente suas vidas. Pessoas que você sente que estão por perto porque escolheram estar por perto, cuja conversa é dada com olho no olho, troca. São pessoas que não se deixam levar pela carência excessiva, pela necessidade de provar alguma coisa ou de receber alguma coisa. Pessoas que não apenas selecionam, escolhem. Estão presentes, não apenas juntas. Parceiras e não apenas companhias. Não apenas conversam, compartilham.
Elas mantêm algo cool, que dá vontade de estar por perto pelo acolhimento dessa presença, desse oferecer-se ao outro naturalmente. Pessoas assim passam uma integridade altamente sedutora e é isso que faz com que Pietro seja tão interessante, inclusive com as mulheres. Afinal, se ele toca o alarme do carro para agradar uma criança ele também é capaz de olhar uma mulher com todas as suas nuances. Se ele contempla a vida de forma tão inteira, assim será com as pessoas. Pietro vai fundo e por isso transborda. E por transbordar, conecta e atrai.

"Caos Calmo" não é um filme pra ser visto, é uma experiência a ser vivida. Ele inspira a querer parar quando o mundo está de cabeça pra baixo e apenas contemplar e apreciar. E depois levantar, leve e limpo, pois tudo sempre estará disponível dentro de si.

Quando estiver doendo muito se ofereça ao outro. Quando estiver muito alegre, se ofereça ao outro. Quando estiver indiferente, se ofereça ao outro.
Logo em seguida, dor, alegria e indiferença nada mais serão que nuvens no seu céu.





P.S: Dedico a todos os novos amigos, as relações positivas que surgem como verdadeiros presentes e me trazem plenitude.

4 comentários:

Arthur Ranieri disse...

Uau!!! Ótima dica!!!
Profundo este blog hein...very good.
Bjos
Arthur

Anônimo disse...

dizem que somos o que repetidamente fazemos, e você está sempre me fazendo bem! isso é bom muuuito bom!!! parabens.
adan

Lóri disse...

Que delicadeza, Alê! Quando assisti saí tão serena da sala, não conseguia nem comentar o filme... porque se contempla, se entra, se abre.

Isso que fizeste neste post.

Lindo...

beijo

Alê Marcuzzi disse...

Grata Arthur! Apareça mais vezes em apnéia ;-)

Adan querido, se a prática leva a perfeição eu quero essa!!

Van, grata pelo olhar generoso sempre

Gratidão a todos!

Namastê