quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Sobre os espaços

My path is an open space - Tiffani H. Gyatso

"Meu pensamento tem a ver com os vazios da palavra, com a não comunicação. É que só a presença é mesmo capaz de encher o espaço, é um ser humano que está se expondo para outro e isso gera um calor imenso." Maurício Ianês

Tenho ouvido com muita frequência pessoas ditando regras de como se relacionar, sobre o comportamento de homens e mulheres, pistas pra chegar a conclusões que só interessam a razão e não fazem sentido algum em prática. A verdade é que é raro o encontro de duas pessoas. Fato. Não há porque ficar elocubrando em cima disso, como os tempos estão difíceis, as pessoas estranhas etc, etc, etc. São outros tempos, com muito mais pressa, informação e recursos de comunicação, que guardadas suas vantagens, só vieram colaborar ainda mais com a nossa ansiedade por controle.

Então se é raro, mas ainda assim (muito) possível, que no momento do encontro possamos estar motivados em oferecer o melhor e abertos 'a exposição. Abertura para receber o outro dentro do contexto dele, ao passo que nos abrimos e nos expomos 'a vontade em nossa própria pele. Acolhendo o outro, evitamos os julgamentos superficiais do senso comum e os joguinhos que fazemos mostrando o que não somos, dizendo o que não queríamos dizer ou silenciando algo bom. Estamos cada vez mais nos protegendo, guardando nossos sentimentos como tesouro precioso que apenas enferruja e vira pó. Expondo a si mesmo com consciência de nossas necessidades e sentimentos temos condições de oferecer o melhor e de receber o que quer que seja. Dessa forma estamos abertos a viver o que se apresenta e não apenas o que esperávamos e escolhemos a direção a partir disso.
Quando acontece o desencontro, e por consequência a frustração, acabamos criando verdades sobre homens e mulheres, crenças negativas que não levam a nada, a não ser afastar ainda mais o que é desafiador juntar.

Quando nos relacionamos é bom ficar atento ao outro e a si, respeitando os hiatos entre o que esperamos e o que podemos receber, o que damos e como aquilo é recebido pelo outro dentro do seu contexto. Se um ligou ou foi outro, não importa. Se um está mais machucado, não importa. O que importa é como prosseguimos a partir disso.
Assim, direcionar o olhar pra ver o que existe além de todo ruído. Não é fácil, insistimos em focar em orgulho, vaidade, perdas, ganhos e nos limitamos. Mas se soubermos ouvir o silêncio e a pausa, com certeza novas visões podem transformar as limitações em novas formas de agir.

Quando nos interessamos por alguém procuramos respostas, explicações, principalmente na frustração de uma expectativa. Talvez isso se minimize quando tomamos a responsabilidade pelo que projetamos e esperamos do outro, ao invés de simplesmente criticá-lo, reclamar, tentar impor uma outra atitude, mudar o que não nos pertence. Ao tomar a responsabilidade também é importante que sejamos dóceis conosco mesmos, senão faremos o mesmo processo de crítica e reclamações voltar para nós. Mas a grande vantagem é que nesse momento temos condições de transformar o que nos pertence, o que nos diz respeito olhando por outro ângulo, aquilo que causou desconforto no início.

É muito mais simples atrair, encantar com os espaços do que solicitar, buscar o tempo todo uma certeza ilusória. Para o amor ser real, ele precisa desses espaços vez por outra. Para se ter ao lado, é necessário que nossos silêncios nos atraiam.


Tudo que temos são os espaços entre nós. Esperando por surpresas fantásticas, acontece o suspiro sofrido da queda iminente de energia. Observando e deixando o espaço acontecer, há plenitude.
Não ter "nada" aos olhos do mundo é o que nos dá tudo que precisamos: estarmos juntos quando os espaços são preenchidos por nada além de nossa radiante presença.


"O espetacular nem sempre provoca reação, as pessoas assistem passivas aos filmes de Hollywood." Maurício Ianês



P.S: Não posso deixar de citar a performance do Maurício Ianês que começou hoje na Bienal . Ele nu no vazio do corredor, exposto a ter apenas o que recebesse do público para as suas necessidades. Suas idéias enriqueceram o meu dia.

2 comentários:

kellybounce disse...

Girassol,
Apesar da ausência de comentários, tenho visitado seu blog no meio da correria do meu dia-a-dia. Só está me faltando tempo pra comentar as suas postagens com calma... rs

Vou comentar essa postagem linda com uma história... rs

Uns 4 anos atrás entrei pra Umbanda. Meu casamento que nunca foi fácil estava indo pro buraco depois que perdi um bebê numa gravidez tubária. E apesar de toda a turbulência, o amor-paixão ainda estava lá, só que eu e ele sempre falamos línguas completamente diferentes. Receita nenhuma de relacionamento dava jeito porque cada um interpretava a receita de um jeito diferente.

No meu batizado, Pai Cipriano me pediu que eu deixasse pra trás o que eu quisesse deixar pra trás e que pedisse algo que eu queria muito. E eu, na minha pseudo-inocência, fechei meus olhos e me concentrando no desejo com vontade pensei: 'Quero ficar com ele pra sempre...'

Abri os olhos e ele me olhou com atenção, uma atenção que chega doeu. Pôs a mão no meu rosto e disse: 'Minha filha, nada dura pra sempre...'

Chorei, é claro. Chorei de surpresa porque fiz meu pedido silenciosamente e ele escutou, e chorei porque sabia que era verdade. Não, entrar na Umbanda não fez meu casamento ficar uma maravilha, e nem deveria. Eu eu ainda estou tentando aceitar essa verdade aos poucos. Mas já descobri que aceitar que algo é finito não significa ter que abrir mão disso.

Estar apaixonada é muito bom, Girassol, sempre. Continuar apaixonada apesar dos buracos e abismos na estrada é muito, mas muito melhor...

Alê Marcuzzi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.