segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Para não dizer que não falei das flores (ou os nossos centavos de cada dia)


Foto: Alessandra Marcuzzi

"Um psicanalista francês, André Green disse certa vez que a resposta é a infelicidade da pergunta. Resposta não é uma coisa importante. Seja na história, na vida de cada um de nós. Quando a resposta chega o assunto já está resolvido. Pergunta é diferente: ela modifica, instiga, transforma." Sérgio Besserman Vianna

Desde a mesa de um bar 'as redes sociais temos cada vez mais necessidade de ter opinião sobre tudo, de tomar partido, de classificar o que é correto e errado, de dar palpite sobre o que nos é estranho ou o "assunto da vez". No entanto não percebemos o quão intolerante podemos ser em nossas palavras e posturas diante do que se apresenta de uma maneira diferente da nossa. Um amigo disse algo que me tocou: "Estamos tão preocupados em ser bem resolvidos que nos esquecemos de ser delicados com as diferenças"
Nossos posicionamentos pretensiosos nos  colocam em um lugar de esteriótipos ao invés de humanos. Na vida real o ser humano é complexo, não como algo difícil de se enteder, mas por ser muito amplo e cheio de conexões possíveis. E o que me parece quando nos manifestamos desta maneira é que nos reduzimos a algo que nos tira essa (bela) humaninade a serviço de alguma aprovação, aceitação superficial, atenção a qualquer custo e perdemos toda riqueza de tantas outras possibilidades para além dessa visão estreita.
Manifestações coletivas sejam em torno do esporte, da política ou o que quer que seja, demonstram claramente um desejo social de estar junto. Vamos 'as ruas para uma passeata, para um jogo de futebol no estádio, para um show, compartilhamos opiniões, pensamentos e sentimentos nas mídias sociais... O coletivo naquele momento tem um significado, uma importância, uma força. As grandes transformações acontecem nos encontros e é isso que acredito que a maioria de nós busca em essência ao aderir a esses eventos. Queremos sentir que há empatia pelas coisas que nos são mais caras, queremos fazer parte, queremos buscar soluções em parcerias, queremos nos expressar, queremos ser ouvidos... 
No entanto, sinto também que não sabemos bem o que fazer com o que resulta do formato em que acabamos por expressar esse desejo e por isso nos perdemos. Há o momento do grito mas é necessário um momento de silêncio individual para processar o barulho e ver o que fazer com ele. Após gritarmos algo engasgado acredito que precisemos direcionar a angústia da interrogação para algo produtivo.
Particularmente não tenho interesse por discursos inflamados que como fogo em palha logo se dissolvem. Há algum tempo desenvolvi um hábito de manter um certo ceticismo ao redor em assuntos coletivos, como um amante disponível caso me apaixone por alguma espécie de idéia e ele, no mínimo, me mostra outros ângulos de uma mesma questão. Interessantes são as nuances e não me faz muito sentido as polaridades baseadas em antagonismo raso. O que fazer a partir do revelado me interessa, o sentido me interessa.
Cada vez que antagonizamos aquilo que era o objeto "contra" ele dá lugar ao objeto "a favor", sendo que ambos dependem de inúmeras circunstâncias e contextos. Mas simplificando dessa forma maniqueísta mais habitual e mais fácil de aderir como de digerir, o que vemos é uma mudança de lugares, quando o que realmente faz uma diferença consistente é a transformação.
O que seria a transformação? Pegar o que não agrega e devolver com algo que agregue. A transformação exige apoderar-se de uma responsabilidade que é só nossa, exige fazer nosso trabalho individual que é muito silencioso, por mais barulho que possamos fazer a respeito. A transformação  faz conviver com as perguntas e não apenas buscar respostas freneticamente. Mudança faz apenas sair de um lugar e ir a outro.
A mesma lógica dos esportes competitivos segue em nossas vidas de maneira geral: se "ganhamos" (fizemos "certo", atendemos expectativas nossas e dos outros) está tudo certo e nada a se pensar, apenas desejar mais, qual a próxima meta? Se "perdemos" seguem mil justificativas para a frustração, dramas e filosofias rasas (nos comparamos com resultados passados de nossas vidas e com o "oponente" para nos consolar ou nos mostrar que somos afinais melhores que a "derrota", procuramos culpados, procuramos um salvador ou qualquer coisa que nos tire do desconforto...)

Fazendo nossa parte com nossa própria vida, não tenho dúvidas de que o coletivo naturalmente se beneficie e de que podemos estar mais inteiros a cada momento juntos, coletivamente. Duvide de você mesmo e duvide do que lê e ouve. Não como um desacreditado, mas como um observador saudável que busca a amplitude e não o estreitamento. Não como um chato questionador, mas um questionador buscador: aquele que está constantemente em jornada e, portanto, entende que o que se apresenta diante  dos nossos olhos sempre depende da visão para ele.


O que me ensinaram nunca me deu mais calor nem mais frio,

O que me disseram que havia nunca me alterou a forma de uma coisa.

O que me aprenderam a ver nunca tocou nos meus olhos.

O que me apontaram nunca estava ali: estava ali só o que ali estava.



Alberto Caeiro,

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