terça-feira, 11 de março de 2014

O dia que mudou a minha vida (ou na dúvida, lave a louça)



Era algum dia de novembro. Semanas de preocupação e especialmente naquele dia uma tristeza dessas que não têm o sabor amargo da depressão mas aquele azedo doce de algo que não está bem mas  ainda assim conseguimos sorrir para o gato na sala ou diante de uma flor no vaso...

No pico de uma angústia, coloquei a bolsa em cima da mesa de jantar e sentei no sofá.

Tinha um chinelo no chão, resolvi colocá-lo em seu lugar no quarto. A cama estava desarrumada, comecei a pegar peça a peça de roupa que estava em cima dela e pendurei nos cabides e guardei nas gavetas. Notei em cima da cabeceira algumas contas a pagar espalhadas, juntei todas e levei para a mesa do escritório onde um prato com garfo e faca repousavam. Parei. Os restos de comida estavam duros e aderidos aos talheres, o prato tinha cores de algo que ficou para trás, algo ali deixado com um certo descuidado ou alguma distração. Ou esquecimento. Um prato sem importância abandonado em cima de uma mesa onde não deveria estar, deslocado, desconectado e de repente alvo de toda atenção.

Peguei o prato e levei até a pia da cozinha, onde para minha surpresa estava acontecendo um congresso de coisas que ficaram para trás falando em voz alta. Talheres, panelas, copo de liquidificador, cumbucas, copos... Estavam todos lá 'a espera da chegada da faxineira. Da faxineira? Por que esperar por ela? Por que delegar a ela só porque ela é "paga" para a tarefa? Por que deixar para trás se eu mesma poderia fazer aquilo se não fosse a preguiça ou porque tem alguém para fazê-lo?
Lavei a louça uma a uma. Em alguns momentos com nojinho dos restos de comida grudados e preguiça  diante de sujeiras que exigiam mais que apenas circular a bucha com sabão... Outros aproveitando o frescor da água, a "bagunça" que a água faz e que chegava a lembrar os banhos de esguicho da infância... Aos poucos toda louça estava lavada e ao colocar para escorrer em cima da bancada notei que podia organizar melhor todas aquelas coisas, um bom espaço na cozinha seria bem vindo. Reorganizei os ármarios para que tudo coubesse e em alguns bons minutos a bancada estava mais livre, com mais espaço para as atividades do dia-a-dia.
Fui arrumar o tapete que fica em frente a pia e notei que o chão estava bem cheio de poeira. Varri em direção 'a sala e percebi que a sala também estava cheia de poeira. Varri a cozinha e a sala e percebi que o sofá estava todo bagunçado, com suas almofadas e uma manta.

Arrumei o sofá e sentei.

Respirei sentindo uma leveza e resolvi meditar. Não sei por quanto tempo meditei, levantei e senti vontade de acender insenso e velas como se uma visita estivesse para chegar.
Peguei um cacho de uvas na geladeira, deitei no sofá e assisti um seriado.

Fui para o quarto e a cama arrumada fazia um convite irresisitível...

Adormeci.


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