"Intocáveis" - dos diretores franceses Olivier Nakache, Eric Toledano.
Na história (adaptação de um livro autobiográfico) Philippe, que ficou
tetraplégico após um acidente de parapente, convoca candidatos para a vaga de
assistente pessoal, vaga que permanece em grande rotatividade já que poucos resistem no trabalho. Em uma dessas seleções conhece o carismático Driss, que
fora expulso de casa pela mãe, e está totalmente sem rumo. Aos poucos, uma profunda amizade surge trazendo grandes transformações em suas vidas.
Esse filme tem sido um sucesso histórico para o cinema francês com grande bilheteria no mundo inteiro e vejo muitas razões para que isso aconteça: é um filme que cativa por sua humanidade e leveza. Não me lembro de algum outro filme onde uma "limitação" do porte da tetraplegia tenha sido retratada com tanta delicadeza e bom humor. Porque acredito que delicadeza não é dizer a palavra adequada, mas estar de igual para igual com o outro de forma autêntica. E autenticidade é o que não falta na relação de Driss e Philippe.
Driss, com sua "ignorância" chega a Phillipe com a única intenção de ter
seu seguro desemprego preenchido. Na entrevista, como não sabe do que
se trata, responde conforme seu
contexto de vida 'as perguntas para a vaga e dessa forma encanta Phillipe, mesmo com sua seriedade e até
certa amargura de quem está cansado de contratar pessoas que não
durarão na função de assistente/cuidador. Cada um responde da forma
como sabe e a empatia é criada. A partir daí o que vemos é o desenrolar
encantador de conexão humana. Já não há apenas quem eu sou e quem você é
mas uma curiosidade e interesse genuínos sobre a vida um do outro. E
melhor, Driss quando se realciona com Phillipe o faz de uma forma tão natural que
até esquece que ele é "deficiente" e Philliipe nem se lembra que Driss é
"um ex detento". (A cena de Driss dando o telefone celular para Phillipe pegar é uma das melhores)
O filme me lembrou uma história que o Lama Padma Samten (professor do Centro Budista que frequento) contou numa palestra recente, é mais ou menos assim:
Em uma detereminada época, em algum lugar no Oriente (não lembro bem se Nepal ou Tibet) não usava-se ter documento de identidade, até porque as pessoas se conheciam pela convivência nas cidades. Quando passou a ser necessário, uma certa vez um homem indagado sobre seu documento disse:
Em uma detereminada época, em algum lugar no Oriente (não lembro bem se Nepal ou Tibet) não usava-se ter documento de identidade, até porque as pessoas se conheciam pela convivência nas cidades. Quando passou a ser necessário, uma certa vez um homem indagado sobre seu documento disse:
- "Mas por que você quer meu documento? Eu estou aqui! Para que precisa da foto? Para comprovar que eu que estou aqui na sua frente sou eu?"
E então o Lama comentou sobre o quanto agimos assim na vida, pedindo credenciais, documentos e nos esquecemos de que tudo o que precisamos já está ali na nossa frente para que nos relacionemos com a pessoa.
E é isso que vemos na dinâmica dos dois amigos: por mais que cada um reaja ou aja conforme o meio a que pertence, a empatia faz com que haja uma natural abertura de um com o outro que dispensa credenciais, criando um vínculo de confiança sem esforço que flui mesmo em momentos em que discordam ou discutem.
E é isso que vemos na dinâmica dos dois amigos: por mais que cada um reaja ou aja conforme o meio a que pertence, a empatia faz com que haja uma natural abertura de um com o outro que dispensa credenciais, criando um vínculo de confiança sem esforço que flui mesmo em momentos em que discordam ou discutem.
Acredito que essas sejam algumas razões para que o filme nos toque tanto: porque desejamos relações mais fluidas, onde não prevaleçam o "cheio de dedos", "pisar em ovos", aquele "respeito" demasiado que no fundo é mais medo de expor-se ao outro do que um respeito genuíno... Relações onde possamos nos relacionar com todo o potencial que existe para além de qualquer limitação ou dificuldade nossa e dos outros. Porque apreciamos relações horizontais, onde há troca, parceria e tratemos e sejamos tratados como semelhantes... Porque queremos mais empatia, alegria, humor. Desejamos ser arrebatados para além dos rótulos que nós mesmos nos damos e das caixas onde nós mesmos nos colocamos. Porque queremos viver a vida de uma forma mais leve sejam quais forem as condições em que estejamos. Porque desejamos compartilhar nossa vida. Porque queremos ser olhados e não apenas vistos.
Porque somos mais especiais quando nos lembramos do quão comuns somos.
Acho que esse diálogo do filme resume a essência da amizade dos personagens e de qualquer boa relação:
Driss: Você quer fugir daí?
Phillipe: Sim
Driss: Sem perguntas?
Phillipe: Sem perguntas.
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