quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Viajar Rezar Amar

Eu num rio seco encontrado de surpresa na estrada rumo a Queenstown/Nova Zelândia. Inesquecível.

"Aprenda a lidar com a solidão. Aprenda a conhecer a solidão. Acostume-se a ela pela primeira vez na sua vida. Bem vinda a experiência humana." Elizabeth Gilbert



Esse texto surgiu a partir do filme "Comer, Rezar, Amar". Eu cheguei até esse filme a partir de comentários de amigas que insistiam para que eu lesse o livro pois era "a minha cara". Confesso que o livro não me agradou (não passei do primeiro capítulo) quanto ao filme achei um tanto superficial e esteriotipado mas com momentos divertidos e nuances interessantes. O que escrevo aqui é a partir do meu olhar de hoje sobre a minha própria história, que de certa forma guarda tantas semelhanças com a de Elizabeth quanto com qualquer outra humana que inclua amor, dor, busca e uma certa coragem.

Em resumo, a protagonista Liz resolve fazer uma viagem para Itália, Índia e Bali após um divórcio doloroso, um novo relacionamento frustrado e muitas perdas. A proposta era realizar alguns desejos: aprender italiano e comer muito bem na Itália, se hospedar no ashram da guru do ex-namorado na Índia e terminar o ano em Bali com um xamã que havia conhecido um ano antes e que tinha feito muitas previsões para a vida dela. (de acordo com o livro ela foi patrocinada por uma editora para que escrevesse um livro sobre essas vivências). Esse primeiro texto surgiu para compartilhar alguns fatos e sensações sobre essas "semelhanças" sendo a principal diferença que muito do que Liz vivenciou em viagens eu experienciei aqui mesmo no Brasil, a maior parte do tempo dentro do apartamento onde morei com meu ex-marido.
No auge da adolescência meu maior sonho era encontrar o "homem da minha vida" e  ter uma relação "de verdade", daquelas em que construímos uma vida juntos, passando por tudo o que for necessário. Não era casamento nem filhos, era exatamente essa descrição. Depois do término do meu primeiro namoro, alguma fada madrinha me ouviu e eu conheci e me casei com esse homem como já foi relatado nesse texto antigo.
Durante uma determinada parte do casamento, minha vida era tão formalmente perfeita que eu me sentia extremamente culpada por ter crises e inquietações e as pessoas ao redor reafirmavam o quanto eu não tinha "do que reclamar" (o que só piorava minha angústia) mas o fato é que eu sentia falta de algo que não sabia explicar o que era. Como Liz, chorei muitas vezes sozinha no banheiro para que ele não ouvisse, implorei ajoelhada a Deus por uma saída, sofria querendo uma mudança que não sabia qual era, num limbo existencial terrível. A angústia não era a falta de amor por aquele homem mas talvez de alguma aspiração perdida dentro daquele sonho tão bem empacotado e do qual eu não me sentia mais parte.
Nos seis meses que antecederam o fim, comecei a engatinhar alguns passos rumo a essas aspirações, pois aquela angústia havia chegado a um primeiro limite. Tudo começou quando ainda casada, reservei um fim de semana num hotel com atividades que incluiam espititualidade (interesse sempre presente em minha vida e cultivado de várias maneiras desde a infância). Fiz minhas malas escondida para que meu marido não percebesse, não queria nenhum empecilho emocional ou prático para aquela pequena subversão. Naquela sexta-feira, pela primeira vez na vida peguei a estrada sozinha para um lugar desconhecido, encrustrado nas montanhas de Minas Gerais. Esse fim de semana marcou o momento em que não daria mais pra voltar atrás, descobri que por mais que ainda houvesse amor por meu marido, nosso relacionamento não mais acompanhava algumas necessidades e buscas que estavam muito vivas em mim, apesar de adormecidas até então.
Meses depois o rompimento se concretizou, de uma forma prática bem mais feliz que a de Liz, mas com muita dor também. Minha mãe teve um enfarto no mesmo mês da separação e minha vida estava completamente sem chão, se eu já não sabia quem era no casamento, fora dele parecia que a coisa tinha ficado pior, não havia homem da vida, casal perfeito, nem lar doce lar, nenhuma única identidade para me apoiar!  Fragilizada, abafei um pouco da dor querendo "poupar" minha família para que não se desestruturasse ainda mais. Naquele momento eu era apenas um contorno de alguém com duzentas coisas práticas e urgentes para lidar, sendo eu mesma a última prioridade…
Passado o furacão e a apatia depressiva, resolvi levantar e encarar a vida sozinha, tomada por uma grande curiosidade de saber que cheiro e que gosto tinha, nada podia ser pior do que estar sem perspectivas. Estava com vinte e tantos anos e muito medo, mais uma vez estaria na "contramão" em relação a maioria das pessoas; namorei a vida toda e não tinha muita experiência de "balada", embora sempre tenha saido com amigos, mas estava me relacionando desde os 14 anos e há 11 anos com uma única pessoa! Quando me casei minhas amigas estavam se dedicando a carreira e vivendo a vida de solteira intensamente, agora separada, muitas estavam a procura de um parceiro e bem sucedidas enquanto eu queria descobrir como seria minha vida sem o referencial de uma relação amorosa e ajustar o profissional que estava instável há um bocado de tempo.
Um pouco mais fortalecida e com o apoio de novas amizades, embarquei numa vida social completamente nova e durante aquele ano me permiti fazer apenas o que eu desejava de verdade. Fiquei surpresa (pra bem e pra mal) em como mundo havia mudado! Comecei a frequentar círculos e locais diversos, conhecendo em um ano mais gente que havia conhecido nos últimos 10 anos. Paralelamente comecei a estudar o Budismo em um Centro (não com a mesma frequência, confesso rs) e era quase esquizofrênico para meus amigos: um fim de semana eu estava em Maresias curtindo praia e balada e na semana seguinte em algum evento de yoga ou retiro espiritual.
Nesse tempo me atirei em tudo que me fizesse confrontar com velhos medos e paradigmas e que me trouxesse novas experiências, desde fazer hipismo para perder o medo de cavalo a trabalhar em outro Estado com pessoas totalmente desconhecidas. Sentia uma necessidade visceral de respirar novos ares, de saber quem eu era sozinha. Uma das maiores experiências aconteceu no fim daquele ano, uma dessas amigas recentes me convidou para uma viagem a Austrália e Nova Zelândia que estava planejando há algum tempo e era exatamente a viagem que eu cogitava como um próximo sonho com meu ex-marido. Não hesitei, principalmente pela chance de perder o medo de viajar sozinha de avião, optei por pegar um vôo separado de minha amiga para o outro lado do mundo no dia 24 de dezembro, a primeira vez em que passaria o Natal sozinha com umas 19 horas de vôo pela frente.
Como Liz, também conheci um outro homem depois da separação por quem me apaixonei e com quem tive uma relação muito viva e cheia de energia, fundamental pra desabrochar qualidades como mulher também muito novas pra mim. Soube enfim, o que era amar novamente, esse foi, de certa forma, meu "Comer, rezar, amar."
Passado anos de tantos acontecimentos fortes, descobertas fascinantes, grandes novidades, emoções, viradas de vida e desejos realizados, minha visão tem mudado frequentemente, grande parte graças a espiritualidade. Durante os anos desse relato inicial acredito que eu tenha atravessado a tempestade a nado com tudo que tinha pela frente (como bem disse meu ex- namorado) com a sorte de muitos oásis no caminho. Mas olhando um pouco mais de perto a maior parte do que eu desejava estava muito atrelada ao externo (o que é de certa forma natural) a um certo vício por esse alimento que era dado a cada superação e ousadia realizada. Na ausência disso parecia que eu enfraquecia, havia uma queda de energia quando as condições começavam a ficar não tão favoráveis, a frustração era muito mais dolorida, dramática. Então, após o rompimento daquele novo relacionamento e de muitos fatores externos em constante desconstrução, eu comecei a experenciar um novo caminho sozinha, no sentido de cada vez menos referências passadas para me apoiar, muitas estruturas ruidas e o chão desabando de forma bem mais profunda (incluindo o abandono da minha ex-profissão por uma que não tinha a menor idéia do que poderia acontecer). Sem a referência de uma relação amorosa, foi natural e diria até inevitável, o maior aprofundamento no meu processo individual por não poder escapar de mim mesma de nenhuma maneira.
E como alguém que tem gosto especial por aventuras, essa, apesar de muito mais dura e desafiadora, eu também não poderia perder. Há poucos anos iniciou-se meu “Pensar, contemplar, repousar", o meu caminho natural para depois de um "Viajar Rezar Amar", tema da segunda parte desse texto.
Quero registrar aqui gratidão a cada elemento dessa maravilhosa jornada, cada amor, cada paixão, cada lugar, cada ser, cada companheiro de caminho. Gratidão a essa casa onde moro que me acolheu nesse processo todo, que foi castelo de Cinderela a ninho de águia. 

E adeus a tudo que renuncio e abro mão nesse exato momento, adeus com muita gratidão.



P.S: A trilha sonora de "Eat Pray Love" é muito boa, convido vocês a ouvirem duas músicas: uma do filme cantada pelo Eddie Vedder e outra do Hoodo Gurus que poderia estar no meu filme "Travel Pray Love" ;-).

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Homens reais - Fabiano Murgia



O sétimo generoso entrevistado conheci como terapeuta e depois tornou-se amigo, fiquei muito contente que ele tenha aceitado o convite pra ser o "sétimo elemento" rs. As respostas são bem eleboradas, com citações interessantes e alguns questionamentos da própria pergunta (o que gosto muito). A que mais chamou minha atenção foi a da pergunta 03 e esse trecho da pergunta 1: "Compreender alguém é gesto espontâneo, necessita disposição interna e extrema paciência."



Nome: Fabiano Murgia
Idade: 39 anos


1.Que tipo de mulher entende melhor os homens?

Começaria dizendo que o entendimento é oposto ao ser (humano) mulher. Explico-me. Supõe-se que o feminino, e não apenas a mulher, tenha melhores condições de lidar com a compreensão. A compreensão, diferentemente do entendimento que é mental e masculino, é subjetiva e interna, visceral. Enquanto o entendimento se utiliza do raciocínio e da lógica mental para significar uma experiência, a compreensão busca olhar completo e mais adiante, busca sentir com totalidade. Não significa que existe um olhar melhor que outro, apenas maneiras distintas de olhar a mesma situação. Assim, eu diria que se torna complexo a mulher “entender” o homem, apesar de ser perfeitamente possível.
Tentando abster-me das questões sócio-culturais que estamos envolvidos, diria que o entendimento e/ou a compreensão deveria ser uma característica que transcende ao binômio homem e mulher. Claro que seu público, provavelmente, tenha maior interesse nessa resposta, mas todo binômio carece atenção. A dificuldade encontrada na relação entre amantes é o mesmo que se apresenta entre pais e filhos, entre irmãos, entre amigos, entre parentes etc.
O ser humano está em queda (risos). Compreender alguém é gesto espontâneo, necessita disposição interna e extrema paciência. Necessita aquilo que alguns autores chamam de “amigos de infância”. Necessita ter muita capacidade de ouvir e enxergar o outro com os olhos dele, não com os nossos. Necessita parar o tempo, ter paciência e, acima de tudo, se conhecer razoavelmente bem. Precisa do presente, atemporal, e sair das ramificações do passado e do futuro...
Assim, aquele que se compreende é aquele que tem maior facilidade para compreender o outro, sendo esse outro o(a) parceiro(a) ou não. Sempre ‘brinco’ dizendo para as pessoas que existe sempre uma tríade em qualquer coisa que empenhamos nossa atenção, disposta necessariamente nessa ordem: 1. Eu me amo (me respeito, me compreendo etc); 2. Eu amo o outro; 3. O outro me ama.
Então, para compreender melhor o homem é necessária prévia compreensão pessoal.

2. Quais as características de uma mulher que você admire que melhor represente o feminino?

Considero de notável consideração quando a mulher, ou melhor, o feminino, manifesta a sua capacidade de escutar. O escutar é muito mais que ouvir com os ouvidos. É apresentar disponibilidade interna, que é complicada e sutil. Para escutar preciso, necessariamente, abster-me do que supostamente sei (ou acho que sei). E preciso digerir o que foi a mim falado, praticando o silêncio dentro de mim. Alberto Caeiro dizia:
“Não basta abrir a janela 
Para ver os campos e o rio. 
Não é bastante não ser cego 
Para ver as árvores e as flores. 
É preciso também não ter filosofia nenhuma. 
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas. 
Há só cada um de nós, como uma cave. 
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora; 
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, 
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.”
Para escutar preciso me abster das críticas e julgamentos, preciso não ter filosofia nenhuma... Óbvio que isto poderia ser a busca de todos, não apenas das mulheres.

3. Há alguma crença que vc tinha sobre as mulheres/relacionamentos e que está reavaliando atualmente?

Claro, sempre... Tendo vivido dois casamentos e outras relações significativas não poderia, de maneira alguma, me isentar da responsabilidade de me auto-avaliar e, conseqüentemente, reavaliar as relações que tive. Talvez a mais significativa no momento seja a resistência à entrega. O mundo contemporâneo gerou em nós, independentemente do sexo, um senso de urgência absurdo. Com isso, os valores foram colocados em xeque. Percebo que ainda estamos nos organizando diante de toda essa transformação que estamos passando. De qualquer maneira, isso nos tornou mais “independentes”, mais “egoístas”, características relevantes nessa transição. Se por um lado isso possibilita supostamente menos projeções, também nos torna supostamente descrentes de relações que são as bases das trocas interpessoais e do crescimento individual e anímico. Inegavelmente que essa realidade traz um conflito muito grande do ponto de vista psíquico: “Estou defendendo da troca ou sou independente?“, alguns certamente já se perguntaram. E, como a vida considerada moderna apresenta resoluções cada vez mais imediatistas, a nossa tendência é nos afastar do conflito, ou seja, da relação. Diria que a renúncia de aspectos pessoais para a relação está cada vez mais extinta. Isso é muito perigoso, pois, em geral, assumimos uma conduta extrema, sem bom-senso, favorecendo o aparecimento cada vez maior de relações consideradas fortuitas ou altamente voltadas para conveniências. Diria que o amor ficou descrente (risos).

4. O que os homens realmente querem?

O ser humano quer se sentir inteiro, inclusive os homens. Sempre! Meu ofício permite que troque com vários deles semanalmente, sendo figuras cada vez mais carimbadas nos consultórios psicológicos. Felizmente! O mito de que o homem é o sexo forte está cada vez mais na contramão nos dias de hoje, apesar do pré-conceito ainda existir. Muitos deles querem se compreender, compreender como se move a vida atual, o que precisam fazer e qual o antídoto mágico para que isso aconteça. Querem se sentir completo em algo, mesmo que exista algum tipo de fracasso futuro.
Acredito que essa busca é princípio da própria natureza. Não tem como fugir disso! A loucura da vida moderna permite o aparecimento de movimentos significativos, gerando mudanças do social para o pessoal e vice-versa. E, diante disso, tudo está em constante mutação.
Vejo que alguns buscam novas motivações, mostram mais interesse, e querem corresponder ao que os cercam. Prestam mais atenção e se sentem atraídos por coisas que não sentiam antes. Buscam novo sentido existencial.
Mas é claro que apenas os considerados corajosos que mostram sua verdadeira face, ainda minoria. A sociedade desempenha um papel massacrante em todos nós, fazendo com que criemos verdadeiras máscaras sociais. Em sua grande maioria, homens (e mulheres) com medo de se acharem se perdem, descrentes do que querem e do que podem alcançar. Porém, acredito plenamente na reestruturação como um todo.

5. Onde você acha que os homens mais erram na hora da sedução? E onde acertam?

Puxa, é muito complexo tecer comparações. Acredito que cada qual tem uma maneira de abordar e seduzir. Cada um é cada um! Da mesma maneira, que cada mulher sente-se atraída ou não por uma abordagem e sedução. Definitivamente não existe uma regra matemática... Diria que depende muito do clima disponível no momento e do que cada um busca. O acerto é quanto essas duas instâncias se combinam e, conseqüentemente, o desacerto é o oposto.
Então o adequado, e não o certo, é saber observar e ter discernimento do seu ‘objeto’ de desejo. Sem observar atentamente, a multa por atravessar o farol fechado pode ser grande! (risos).

6. Onde você acha que as mulheres mais erram no relacionamento com os homens? E onde acertam?

Puxa, definitivamente não existe uma receita de bolo. Cada indivíduo é cercado de seus próprios valores e complexidades, independente do sexo. Não existe uma resposta genérica que atenda a todos. Posso dizer o que a mim se torna significativo, tendo como referências as relações que tive.
E, inegavelmente, o aspecto que mais me chama a atenção é o caráter sigiloso que as relações deveriam ter. Em geral, e também baseado nas pessoas que atendo cotidianamente, as mulheres buscam muito a divisão com outrem dos conteúdos que são expressos em suas relações íntimas. Até aí normal. Porém, diante de crises e situações de stress, essa característica é altamente questionável. De nada adianta dividir um conteúdo expresso em minha relação íntima com alguém se existe caráter de urgência. O outro que escuta, naturalmente tendencioso por quem o conta, por mais capacidade que tenha, se baseará nas informações que foram expressas concretamente, jamais tendo capacidade de ‘apreender’ a dimensão do contexto que o casal viveu. Nunca conseguimos passar o contexto de uma relação para alguém, pois só quem vive é quem pode compreendê-lo. Assim, o outro que opina, estará julgando superficialmente a pessoa em questão, baseado no olhar de seu interlocutor, que é totalmente diferente do que essa pessoa em questão realmente é. Analisar uma relação pela imagem, sempre parcial, que o outro tem de alguém é erro clássico e ainda comum. Para isso existem os terapeutas, rabinos, padres, psicólogos etc.
Antigamente, nossos ancestrais tinham uma visão diferenciada nesse sentido. Costumavam não se intrometer nas relações dos filhos e os impediam, uma vez casados, de retornar à casa de origem. Naturalmente, o acerto está no contrário. Quando a mulher, madura de si, não necessita do outro (contaminado) para compreender a si mesma.

7. Quais as maiores confusões que vc vê na relação entre homens e mulheres? Como simplificá-las?

Acredito que o maior desafio em toda relação íntima é lidar com a própria proximidade. Com a proximidade, aspectos individuais costumam vir à tona e acabamos por conhecer aspectos desconhecidos até então. Por isso que a maioria dos recém-casados diz, muitas vezes em tom de brincadeira, que não reconhecem mais com quem se casaram. Com a proximidade, aspectos sombrios inegavelmente aparecem como verdadeiros fantasmas, fazendo com que cada qual tenha que conviver com particularidades do outro até então desconhecidas. A partir desta realidade, que invariavelmente freqüenta todas as relações, outros componentes se fazem presentes, como a rotina, a maneira que cada um lida com as situações de stress, a maneira que cada um soluciona uma crise, assim como as próprias crises de identidade. A relação íntima é a mola propulsora, talvez a mais significativa, de nossa própria evolução individual, pois requer de nós muita coragem e resiliência. Assim, partindo do pressuposto que a maior confusão é a própria relação e o que dela se origina, quanto mais nos conhecemos, tanto maior a possibilidade de êxito e de transformação das inevitáveis crises de todo relacionamento afetivo.

8. Casamento, morar junto, relacionamento aberto ou solterice? Por que?

Depende do contexto. Perguntas muito diretas nunca nós dá direito a explanar melhor o caminho. Em geral, são muito masculinas, meio como a vida se mostra hoje: a resposta precisa ser dada, carimbada e executada no mesmo instante. Prefiro jogar conversa fora, como coloca Rubem Alves: “... joga-se fora aquilo que não é para ser guardado. Não se diz “jogar conversa fora” de conversas de negócios entre executivos. Nas conversas de executivos nada é para ser jogado fora. Cada palavra vale dinheiro. Jogar conversa fora é uma brincadeira parecida com soprar bolhas de sabão. As bolhas de sabão são de curta duração. Mas são tão divertidas... Vão-se umas, sopram-se outras...”. Diria, tendo como base o que chamamos de modernidade, que o caminho mais viável atualmente é casamento em casas separadas. Com a valorização da individualidade na contemporaneidade, o casamento convencional parece estar com os dias contados. De um lado, isso proporciona uma interessante transformação nos indivíduos, que podem se tornar mais inteiros, desenvolverem a própria individualidade, sem a necessidade de projetarem em alguém suas próprias carências. Fim ao conto que de existe a metade da laranja. Jonh Lenon sabia disso: “...não nos contaram que já nascemos inteiros e que ninguém em nossas vidas merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos falta...A gente só cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia é só mais agradável”. De outro lado, pode-se confundir individualidade com individualismo, que possui significados distintos. A individualidade permite o olhar consciente a si próprio, sabendo que o outro é apenas uma extensão, não sendo assim responsável por atender minhas expectativas. Sou primeiro eu, para depois ser para o outro. No individualismo, nota-se um tom exclusivista, egoísta, onde apenas minhas necessidades precisam ser, supostamente, atendidas, fazendo com que os relacionamentos caíam por terra. O outro é objeto de minha própria ‘masturbação’, sendo responsável apenas por me trazer prazer. Creio que ainda estamos engatinhando nesse sentido. Que não podemos precisar onde desembocará essa tentativa de experimentar novo contexto relacional.

9. O que você pensa sobre infidelidade?

Infidelidade? Bom, sinto a infidelidade sendo aspecto natural da vida, como a alegria, a tristeza, o amor, a raiva etc. Não acho lícito estabelecer parâmetros e definições para sentimentos, mesmo porque quando procedemos dessa maneira engaiolamos e molduramos nossas ações, na expectativa de se cumprirem exatamente como pensamos. Assim, a infidelidade precisa ser olhada como qualquer outro sentimento, podendo estar presente em qualquer momento da relação. Se não a olharmos assim, estaremos correndo sério perigo, pois estaríamos alimentando-a inconscientemente quando a negamos. Quando a singularidade é madura, ou ao menos se escolhe por esse caminho, o respeito é parte integrante da relação. Então, o foco deixa de ser a infidelidade, mas o COMO proceder com ela. Mario Quintana em um dos seus brilhantes textos, diz que acha meio simplista e fora da realidade o conhecido sermão de casamento. De maneira criativa sugere alternâncias nas conhecidas pregações, alertando para que o diálogo ocorra de outra maneira: “Promete não deixar a paixão fazer de você uma pessoa controladora, e sim respeitar a individualidade do seu amado, lembrando sempre que ele não pertence a você e que está ao seu lado por livre e espontânea vontade”. Respeitar a individualidade não significa não ser infiel, mas ser fiel na infidelidade. Cada indivíduo tem o direito de escolher o próprio caminho, porém não tem o direito de esconder sua escolha do outro. Ou seja, a infidelidade é natural, por ser algo que pode acontecer a qualquer momento, porém deve ser compartilhada com o par caso exista.
Temos a liberdade de escolhermos caminhos diferentes em cada momento de nossa vida, estando ou não acompanhados. O sujeito maduro, fiel a si próprio e respeitoso ao outro, saberá como agir diante dessa possibilidade.

10. O que precisa para o sexo ser significativo e marcante pra você?


Intimidade e entrega, necessariamente nessa ordem. E, para que isso aconteça de fato, é necessário percorrer um longo caminho. E, nem todos têm essa disponibilidade. A intimidade verdadeira é aquela que permite reconhecer e compartilhar atributos subjetivos do outro, e não apenas parciais e/ou superficiais, mesmo sendo também importantes. Como dizia muito bem Roland Barthes: “É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética”. Ou Adélia Prado que afirma: “Erótica é a alma”.
O sexo de torna significativo quando dois percorrem direções semelhantes, buscando estabelecer conexões mais profundas através do delicioso ato exercido pelo corpo. E, quando há esse prolongamento entre os amantes, a entrega se faz consumada no ato em si.

11.Quais suas melhores habilidades? O que de melhor tem a oferecer para uma mulher?
Talvez muito, ou muito pouco. Tenho a dimensão do que posso oferecer, porém isso não é garantia de que oferecerei. Tudo se faz na relação, no compartilhar. Nada pode ser medido previamente, apesar de existir em potencial. E, diante disso, acredito que posso oferecer minha real fidelidade aliado aos meus verdadeiros sentimentos, sejam considerados positivos ou negativos ao outro que os vê.

12. Qual a maior emoção que uma mulher despertou em vc? Qual o momento de maior abertura que teve com uma mulher?

Indubitavelmente a gravidez e o que dela prosseguiu... Mas o momento do parto e o conseqüente nascimento são indiscutíveis...



13. Qual a melhor experiência que teve em uma relação? O que não faria de novo?

Na verdade, apesar das falhas e acertos em algumas relações, não tenho nada que me arrependo terrivelmente. Vejo essas falhas como formas de amadurecer no momento em que aconteceram. Diria que hoje, após certas experiências, que caminho com mais calma, sem a necessidade urgente que caminhava anos atrás. Confio no caminho e creio que o melhor sempre acontecerá!


14. O que te faz homem?

A possibilidade de escolher meu próprio caminho. De me responsabilizar pelas minhas escolhas. De assumir meu propósito de existência. De reconhecer meus valores. De ser capaz de sempre recomeçar. De me considerar forte o bastante para superar os desafios naturais da vida. De fazer fluir o que sou, sem outras preocupações. De assumir minhas responsabilidades, como cidadão, pai, filho, amigo, trabalhador e outros papéis que vivencio.
Ademais, minha motivação consiste em minha capacidade de dar e receber, acolher e recolher, possibilitar e conquistar, viver e morrer, alternadamente, a todo instante.

15. Qual seu maior propósito de vida?

O autoconhecimento. Chegar a lugares que nunca cheguei, vislumbrar possibilidades outras, aventurar o novo toque, o novo jeito, o novo gesto. Como afirma Fernando Sabino:
“De tudo ficaram três coisas... 
A certeza de que estamos começando... 
A certeza de que é preciso continuar... 
A certeza de que podemos ser interrompidos 
antes de terminar... 
Façamos da interrupção um caminho novo... 
Da queda, um passo de dança... 
Do medo, uma escada... 
Do sonho, uma ponte... 
Da procura, um encontro!”

16. Se pudesse escrever algo para as mulheres ou para uma em especial, o que diria?

Putz! Digo para prosseguirem, confiarem e se renderem. Atualmente, as relações estão pendendo para uma disputa e não mais para a composição, para o compartilhar. Como coloca sabiamente Rubem Alves, os relacionamentos afetivos assemelham-se a uma partida de tênis, onde o único objetivo é vencer seu inimigo, sendo uma fonte de muita raiva e ressentimentos, terminando sempre mal. A bola, como representante simbólico de nossas fantasias e irrealidades, sob a forma de palavras, são cruelmente destruídos. Para as mulheres, e os homens, que querem realmente compartilhar, precisam transformar o relacionamento num jogo de frescobol. O objetivo é único e é necessária a participação de ambos, imbuídos com o mesmo fundamento, com o mesmo desejo. A falha do outro proporciona faz com que eu me esforce para devolver adequadamente para que o outro jogue novamente para mim. “Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra - pois o que se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol, é como ejaculação precoce: um acidente lamentável que não deveria ter acontecido, pois o gostoso mesmo é aquele ir e vir, ir e vir, ir e vir... E o que errou pede desculpas; e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos...”