quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Ouvir o corpo



"If you really faced the world as it is you would find it something infinitely greater than any philosophy, greater than any book in the world, greater than any teaching, greater than any teacher"


To be human - Krishnamurti

No caminho da experiência direta ficamos muito mais de perto com a volatilidade das emoções, os impulsos, o aparecimento dos nossos carmas. Tenho procurado experienciar mais e mais todo conhecimento adquirido, teoria estudada e, depois de passar por uma fase mais cognitiva, descubro o caminho do corpo.
A mente ficou sobrecarregada, as emoções inflmadas e o corpo... tinha me esquecido que tinha um! Algumas dores e sensações desconfortáveis me mostraram que é uma "caixa preta", em cada cantinho está uma informação valiosa sobre cada "acidente" de percurso. Esses "acidentes" são as inúmeras vezes em que a vida não flui, a enegria fica estagnada, e a alma (e o corpo) contrariados reagem em forma de dor.
A mão da terapeuta desobstrui os pontos dolorosos, faz o chi circular melhor, a energia se alinhar e fluir, mas isso é apenas um instrumento esporádico. Não me bastavam mais os paleativos, a vida tem me pedido estrutura, e eu, subestimado meu corpo a papéis tão menores do que o que ele realmente pode alcançar em todo seu potencial.

Então chegou a hora de ouvi-lo.

Primeiro passo, silêncio. Deitada, sentada, no banho, meditando, saber silenciar para ouvir o que ele quer tanto me dizer e assim não precise mais gritar. Sim, porque a dor é um berro do corpo por atenção.
Sempre fiz muitas atividades físicas e de uns tempos pra cá, por incrível que pareça, estava tão dedicada ao espírito, 'a lógica e aos sentimentos que me esqueci de cuidar dele nesse sentido. Fui para o extremo oposto, de alguém que cuidava até em excesso do seu corpo, por prazer e por estética a alguém que achava que o corpo podia esperar mais um pouco. Foi uma surpresa pra mim perceber o quanto tenho sido negligente com meu próprio corpo e o quão profundo era esse fato...
Comecei então, a sentir meu corpo como ele é agora e o que ele estava pedindo. Por ironia, era o que todo resto pedia: mê dê estrutura e eu poderei fazer o que quiser.
Já que o processo todo pede por estrutura, por que não começar por ele? E daí para as áreas mais sutis, o processo vai seguindo por consequência... (e vice-versa)

Segundo passo, fazer todas as atividades com mais consciência. Isso significa um ritmo muito mais lento para a atenção e a  respiração estarem em harmonia e para os efeitos serem realmente duradouros. A partir disso, todo dia tenho uma experiência de metáfora com ensinamentos do meu próprio corpo, vou citar alguns exemplos práticos:

- Para melhorar a postura das minhas costas e não sobrecarregar a cervical, preciso encaixar meus ombros de uma forma que eu não precise tensionar pra manter. Se o encaixe for correto, há relaxamento depois e a postura se mantém sem força, caso contrário, aciono a musculatura e a vértebra errada e vem a dor. Não é assim com a maioria das situações? Se colocamos o que parece caótico em seu devido lugar ao mesmo tempo em que entregamos ao processo natural da vida, não ficamos mais relaxados, mais leves?

- Para aguentar uma sobrecarga, preciso contrair muito bem o abdomen com a lombar pra formar a base de sustentação de qualquer exercício de força. Não deveria ser assim quando a coisa fica pesada na vida, lembrar da base, se posicionar e fazer o que tem que ser feito?

- Para cada movimento há o tempo de respiração correto, apenas fazer mecanicamente, sem atenção na respiração é como se não estivesse fazendo ou acabo sentindo dores depois.
Não é um pouco assim com as situações impulsivas em que mal respiramos antes de tomar uma atitude? Sem presença e consciência da ação não temos experiência, não incorporamos nada e ainda sofremos.


Em terceiro lugar, observar as reações emocionais.  Na relação com as pessoas e o mundo estão juntas as reações físicas, a respiração e uma sensação, e observando cada vez mais a qualidade dessas sensações, acabamos por desenvolver uma espécie de "semáforo" interno, sabendo a hora de parar, pausar ou seguir. Observando o que o corpo avisa sente -se mais leveza, pois não há apenas reação a um estímulo externo e cessão aos impulsos e sim a escolha consciente da energia a ser empregada em cada situação. Isso é a verdadeira fluidez, nem desperdício nem economia, apenas a energia necessária para determinado fim. A famosa lei do mínimo esforço na espiritualidade, que nada tem a ver com torpor ou acomodação, mas sim com uma mente atenta, consciente.

Parece que o caminho da integridade e da inteireza é sempre a junção de muitas práticas, as vezes vamos descobrindo uma a uma, indo a extremos, voltando para um início, enfim, cada um a sua maneira. Então não tenho muita saída ultimamente a não ser dedicar mais atenção e disciplina as minhas experiências, se quero tanto descobrir por mim mesma o que os mestres dizem.
Experimentar por si tudo o que se aprende, lê, ouve com a prática diária em situações corriqueiras e cotidianas é bem poderoso. E isso pode acontecer dentro de uma academia fazendo um exercício olhando no espelho, dirigindo o carro, lavando a louça, numa festa, num momento íntimo e não apenas em posição de lotus ou numa sala de yoga...

Colcando o corpo 'a serviço da consciência sinto que honramos ainda mais nossa existência e caminhamos apropriados e empoderados das transformações que a sabedoria nos traz.


"Meditar é simplesmente treinar nosso ser para que a mente e o corpo possam estar sincronizados" Chogyam Trungpa



P.S: Dedico a Mila, Erica e Ana que são muitas vezes as intérpretes do meu corpo pra que eu possa cuidar dele melhor, obrigada!
Dedico ao meu amado companheirinho Simba, que faz aniversário hoje, e cuja fluidez de movimento é admirável.


quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Verdade nua e crua




Assisto ao filme "Verdade Nua e Crua" em cartaz nos cinemas com Katherine Heigl (de Grey's Anatomy)
e Gerard Butler (de P.S. I Love You). Filme divertido e com boas reflexões sobre os relacionamentos sem ser piegas. Mike é o esteriótipo do machão, meio chauvinista, com suas teorias prontas sobre relacionamentos. Abby é o oposto, romântica, idealizadora e ansiosa por encontrar seu príncipe encantado. Tanto faz quem diz o que é realidade ou ilusão, o mais interessante acontece no movimento que os levam a outras descobertas no decorrer da história, de uma forma bem divertida.

Os clichês servem pra nos situar sobre algumas "realidades" que podemos levar em consideração quando nos relacionamos com o sexo oposto, mas vale o cuidado para não nos prendermos a "receitas de bolo". Entre os machismos, feminismos, biologia, história, genética, entre todas as convenções, especulações e afirmações sempre há um componente de zilhões de possibilidades altamente pessoais, fora dos padrões e do nosso controle, que unem duas pessoas. Particularmente isso se resume a duas perguntas: aonde você quer chegar e o que você quer de um relacionamento? O contato com essas respostas podem nos levar a verdades nuas e cruas, não às de um senso comum, mas às nossas próprias. ;-)

Assim, se focarmos na conquista, saibamos que por ali vamos ficar praticamente em círculos, num jogo que tem limite, mas pode se repetir diversas vezes. Seduzir com foco apenas na conquista, com estratégias como dita Mike, pode até ser bem sucedido, mas é algo limitado, afinal seduzir exige mais habilidade que talento, pois todos nós nascemos com alguma capacidade natural. Além disso há muitos artifícios para se lançar mão quando esse lado não é bem desenvolvido, vide a quantidade de pessoas que ensinam técnicas e dão dicas sobre o assunto. Com isso não quero diminuir o valor dos jogos de sedução mas levar o leitor para outros lugares além desse ;-)
Se o foco for em se relacionar, os caminhos mudam completamente. Esse terreno é tão surpreendente, desconhecido e fascinante que nenhuma regra vale na prática, não enquanto se vive uma relação.  Relacionar-se exige uma transformação tão constante, além de atenção e principalmente consciência, que requer (muita)  disposição e coragem para viver essa vulnerabilidade. E tudo isso com um grande risco de frustração. ;-)

Seja na realidade de Mike ou na fantasia de Abby em ambos há a idealização ou no mínimo uma projeção de situações do passado. Isso é bacana de ver no filme, como muitas vezes somos reféns das frustrações anteriores e como isso cria modelos e padrões em nossa forma de ver e a agir no presente. Então me ocorre algo dos ensinamentos espiritualistas: o estar no momento presente. A presença e abertura para estar pleno naquele momento, naquela relação e com aquela pessoa é uma forma de se permitir experienciar o que de fato existe na relação em que estamos vivendo e não fantasiar tanto como será no futuro baseada nas informações de um passado. E quando alguém desperta algo em nós parece que automaticamente nos entregamos a aventura cheia de terrenos acidentados sem precisar se apoiar tanto em modelos ou idéias preconcebidas. Quando acontece um encontro, todas as instruções de Mike e as neuras de Abby vão por água abaixo. O problema é que deturpamos essa conexão incial com o passar do tempo, conforme nossas inseguranças são desafiadas pela impermanência das situações.

Mas o que tem a relação de Mike e Abby de interessante para que eles terminem juntos?

Mike sabe os pontos fracos de Abby, suas neuras, obsessões. Abby sabe o lado cru de Mike, que a princípio a choca muito. Quando começam a trocar sobre seus universos, o primeiro ponto de conexão acontece. Mike com seus conselhos, estava tentando trazer o melhor de Abby a tona. Abby, mais solta, se relaciona de outro lugar com Mike, não mais a neurótica e controladora somente, mas também mulher, segura, divertida e por isso muito sexy (não só por roupas e cabelo, mas por ter se apropriado de um lado adormecido que a fez brilhar). Abby passa a ter menos preconceito e mais curiosidade por Mike, conforme a troca entre eles se aprofunda e quanto mais segura Abby se torna, mais se relaciona de igual pra igual com Mike que então se sente cada vez mais a vontade com ela, e isso é absolutamente sedutor, não há nada mais sexy do que pessoas inteiras.
O ponto de conexão fatal é na viagem em que Mike conta sobre suas experiências para Abby, então ela entra em contato com o "verdadeiro" Mike, tê-lo assim mais exposto e ainda espontâneo é mais uma conexão que desencadeia toda "química" que os coloca como homem e mulher a partir dali.

Sem medir forças, para o homem parece mais difícil estar com uma mulher numa vulnerabilidade que julgam ameaçar sua virilidade (quando é exatamente o contrário). Nós, em contrapartida, temos muitas inseguranças do quanto esse homem está com a gente mesmo. Intuitivamente o que me ocorre é que tendemos diante da força/fraqueza masculinas a oscilar entre a mãe e a filha deles (e o inverso também acontece). Um bom caminho pode ser o acolhimento.
Diante de um homem que você realmente se conecte, acolher o que considera "fraqueza" ao invés de simplesmente apontar e criticar. Trazê-lo para perto para que possa se mostrar como é e se sentir a vontade em sua companhia, sem precisar dizer como fazer como uma mãe ou numa postura carente como uma filha. A mulher que está ao lado dele, com seus medos e seguranças.
Diante de uma mulher que você realmente se conecte, sorrir para as durezas que aparecem em forma de excessos. Contornar habilmente as resistências e tirá-las pra dançar. Trazê-la para perto mostrando que você está inteiro com ela, sem ser muito  imperativo como um pai ou infantil como um filho  que quer aprovação. O homem que está ao lado dela, com todos os medos e seguranças.

A cena da dança é a mais bonita do filme, quando os papéis ficaram na cadeira e na pista estão apenas um homem e uma mulher deixando suas "primeiras intenções" falarem mais alto. Essas intenções surgem da inteireiza de cada um e possibilitam a liberdade de transitar entre a sedução, os jogos sem que isso seja a receita de bolo daquele momento. ;-)



P.S: Dedico a tudo que aprendo na convivência com os homens.