Thangka de Tara Vermelha por Tifanny H. Rezende para o CEBB de Viamão
"Hoje não podeis ver nem ouvir, e é melhor assim
Mas um dia o véu que cobre vossos olhos será retirado pelas mãos que o teceram
E a argila que obstrui vossos ouvidos será rompida pelos dedos que a amassaram
Então vereis
Então ouvireis,
E não deplorareis ter conhecido a cegueira e a surdez,
Pois naquele dia, compreedereis a finalidade oculta de todas as coisas
E abençoareis as trevas, como abençoais a luz."
Khalil Gibran
Tenho vivido experiências muito profundas, um caminho que se descortina a cada passo que dou. Me perguntei esses dias, porque há tanto tempo que busco, apesar de tudo sempre acontecer como mágica e do conhecimento se ampliar cada vez mais, porque não cheguei a determinados pontos antes? Então, compartilho com vocês do meu pequeno caminho que está apenas começando numa outra consciência que era tão clara em conceitos e conhecimento mas que agora se torna parte de mim porque a vivo.
Sobre minha história, sempre fui aquela em que muitos viam potencial na espiritualidade. Era aquela que sabia falar sobre muitos temas, argumentar, discorrer, de tanto querer conhecer. Também era aquela que apesar de se enturmar com facilidade como uma criança curiosa nos grupos, me escondia dentro deles, apenas contemplando, participando nos bastidores ou no meu mundo particular onde a poucos era permitido entrar. Essa era a Alessandra em sua busca espiritual, que por meio das palavras se sentia um pouco mais livre, mas que estava na prisão dos conceitos que criou pra si mesma.
Minha arrogância não me levaria muito longe, tampouco a tentativa de me enquadrar nos conceitos que criei pra mim. Em nenhum deles me encaixei a vida toda, aliás inadequação é um sentimento que me acompanha desde muito cedo, hoje compreendo um pouco mais suas razões.
Admirava os espiritualizados que eu considerava avançados no caminho. Pra mim eles eram muito calmos, tolerantes, carinhosos, bons. Tinham tudo tão claro e viviam suas vidas em muita coerência com o que acreditavam, praticando com muita dedicação, tendo a noção exatada do que fazer a cada momento, qual atitude e energia empregar, enfim, esse era meu conceito das pessoas espiritualizadas que eu admirava.
Assim, tentei abolir minha agressividade durante anos, achando que era inadequada ao mundo espiritual, tentei me esconder atrás da minha coragem, minha ousadia não parecia combinar com meu conceito de humildade. Silenciei minhas opiniões, meus pensamentos, afinal, era tão iniciante e tão má praticante que não poderia dizer nada muito importante em meio a pessoas tão lúcidas.
Esse foi o caminho que trilhei pra adoecer. Esse foi o caminho que me levou a apatia, fraqueza por um único motivo: estava tentando trilhar um caminho que não era o meu.
Como um leão dopado, levantei muito fraca. Estava numa angústia que me reprimia numa dor que parecia a morte, numa confusão que parecia loucura. Mas o leão dentro de mim urrava baixinho, rastejava, cheirava, fuçava. Então, de dentro da dor profunda, o que tanto pedia e era incomprendida aconteceu: apareceu um caminho diferente.
Despertei com muitos nascimentos que foram- me dados de olhares especiais. Tão intenso que isso se tornou, resolvi me submeter a experiência do silêncio profundo e do encontro comigo cara a cara, no escuro. Por fim, me entreguei a uma pessoa que chamo de "mãe espiritual" (já que ela não se considera uma mestra) e deixei que ela fizesse comigo o que quisesse. Permiti que me submetesse as experiências que achasse necessárias e pela primeira vez na vida não questionei, não duvidei, não pensei. Me entreguei nua a viver o que quer que tivesse de viver, tinha fome de experimentar, tinha fome de sentir na carne, de poder falar por mim mesma.
E foi isso que aconteceu.
E foi isso que aconteceu.
Ali descobri a plenitude, o leão começava a mostrar sua força pouco a pouco, e seu coração estava cheio de amor. O rugido começou fraco, até que se manifestou, literalmente, a plenos pulmões. A força do leão era sua ira cheia de amorosidade. Ele não precisava mais brigar, nem lutar contra, ele só precisava usar toda sua coragem e ira naturais pra avançar, experimentar , ir além, mas desta vez amando.
Desde então algo mudou. Os conceitos estão perdendo cada vez mais força. Porque aprendo que uma coisa é um nome que se dá a algo, mas viver isso é imensamente diferente e só a experência nos dá a dimensão exata do conceito. Aprendi que raiva é uma coisa, ira é outra, agressividade é uma coisa, firmeza outra. Ser honesta é bem mais profundo que apenas falar a verdade. Não ter medo é bem diferente de ter coragem.
Têm me dito que sou corajosa e na verdade, sempre tive boa disposição pra viver o que quer que fosse mesmo com muito medo. Mas não sabia que minha coragem existia cravada na minha alma e que pode inspirar muitas pessoas, como tantas outras me inspiram. Então, se quero colaborar em algo com o mundo, o melhor que faço é a partir da minha própria história. É me expondo, mas com proteção. É mantendo a inocência, que me faz ter tão pouco medo na vida. É praticando a coragem pra abrir caminhos, sentir isso como meu caminho é a bênção do segundo nascimento.
A coragem da compaixão irada é vermelha, da cor do coração cheio de sangue.