terça-feira, 16 de junho de 2009

Quand j'etais chanteur


"Já vi muitos casais se formarem e se separarem. Sei que estudando os movimentos dos dançarinos você entenderia muito mais as pessoas e o mundo."
Alain Moreau

Assisto a "Quand j'etais chanteur"(infelizmente traduzido como "Quando estou amando"), filme francês muito bom que retrata a relação do cantor Alain Moreau (ótimo Gerard Depardieu) com a corretora de imóveis Marion (também ótima Cecile De France) e como isso transforma suas vidas e o entorno deles.
Alain é um cantor de bailes que faz pequenas apresentações e não tem grandes pretensões de ir além disso. Marion é uma corretora de imóveis que tem uma relação conflituosa com seu filho e um passado misterioso.
Alain é aquele tipo distante do ideal feminino comum, não é bem sucedido, nem tão bonito e um tanto "brega". Marion é aquela mulher fria, um tanto antipática e arrogante, apesar de muito bonita, com quem a maioria dos homens não perderia muito tempo na conquista. O mais interessante no filme são como os esteriótipos se desenrolam, como tudo vai se transformado no decorrer da história, como numa dança.

Os esteriótipos estão por toda parte, acompanhados de idealizações e preconceitos. Esse é o ponto, na conquista, quem se fixa somente nas aparências perde. Quem saboreia a descoberta e a conexão humana, ganha, sempre. Pois não existem regras, existem pessoas.
Ganhamos quando conseguimos atravessar a barreira da aparência, dos conceitos, dos julgamentos. E mais, quando conseguimos olhar a pessoa em seu contexto, enfim, olhar a pessoa e não apenas um objeto que está ali para satisfazer nossas expectativas e desejos.
Dessa forma, Alain não é simplesmente brega e "falastrão", como Marion não é apenas fria e distante. Em cada um vemos, de acordo com o contexto, outras boas qualidades aflorarem (adoro essa palavra, ela lembra frescor, nascimento). Alain é também atencioso, gentil, cavalheiro, carinhoso. Marion é também afetuosa, companheira, sensível.

O que torna Alain um homem de presença e habilidade é sua autenticidade e maturidade. Ele sabe o que é, e não quer passar por nada mais, ele sabe o que quer e não se deixa abater pelas dificuldades que Marion coloca. Ele aproveita cada encontro para ocupar as brechas possíveis, para descobrir mais sobre essa mulher, e dessa forma a desafia sem jogar. A desafia não se submetendo (as negatividades dela então se voltam pra ela mesma lidar), não confrontando (ela é arredia e escaparia na mesma hora), mas delicadamente deslizando entre os nãos, as durezas, as resistências.
Da mesma forma, Marion vai se abrindo pouco a pouco, conforme se sente segura (afinal, ele é um conquistador e deve querer o que todos querem) e isso leva um certo tempo. O desafio despojado de Alain intensifica seu interesse por ele, seu trato com as pessoas e das pessoas com ele chegam até a despertar um certo "ciúme", um interesse em descobrir se realmente há algo mais além do rótulo que ela mesma lhe deu. A transparência de Alain desarma as tentativas de Marion de subestimá-lo. Cada um tem seu ponto fraco e suas formas de camuflá-los, mas conforme aprofundam, naturalmente essas máscaras caem, mostrando pessoas comuns que, como todas as outras, têm o desejo e o medo de se entregar (não a toa há a referência constante aos vulcões).
O que nos une e nos torna iguais é que somos todos os mesmos quando vulneráveis, e se há uma boa motivação na conquista, abre-se espaço para o amor.

Observo que quanto mais consciência temos de nós mesmos, quanto mais nos conhecemos sem nos idealizarmos tanto, conscientes de nossas limitações, mais podemos entender o outro. Dessa forma, conseguimos ultrapassar a superficialidade reconhecendo que o outro assim como nós, tem suas defesas e fraquezas. E temos condições de oferecer nossa habilidade, nosso melhor olhar e gesto, e, como numa dança, os passos são levados sem pensar, o entrosamento acontece naturalmente.

Esse filme me fez pensar nesses belos encontros que a vida proporciona, que nem sempre são os que atendem nossas expectativas ou têm um resultado de acordo. Mas os encontros que verdadeiramente nos transformam, nos invadem a ponto de não sermos os mesmos a partir dali.
E podem até não ser os mais românticos, mas com certeza são os mais plenos.



"Rendez vous, rendez vous..."
(Entregue-se, entregue-se...)




2 comentários:

Luiz disse...

Atento para sua interpretação deste filme, quase poética. Me instiga sua capacidade observadora, viva, com fluencia, e a medida que voce se lembra das passagens do filme, comenta e associa as suas vivências, e daí, consegue escrever o que sentiu, e o que se pensou.

Lóri disse...

"Não existem lugares, existem pessoas"

(Clarice Lispector)

Lembrei dessa frase ao ler seu post ;-)

beijo