domingo, 17 de maio de 2009

Ne plus ultra!


"Seja eu
Seja eu
Deixa que eu seja eu
E aceita
O que seja seu
Então deita e aceita eu...

Molha eu
Seca eu
Deixa que eu seja o céu
E receba
O que seja seu
Anoiteça e amanheça eu...

Beija eu
Beija eu
Beija eu, me beija
Deixa
O que seja ser...

Então beba e receba
Meu corpo no seu
Corpo eu, no meu corpo
Deixa
Eu me deixo
Anoiteça e amanheça..."

Marisa Monte


Depois de um céu forrado de estrelas, com se de um sopro num punhado de uma mão elas colassem lindas num fundo azul escuro
Depois dos pássaros coloridos, em árvores centenárias altas e exuberantes, que a noite se vê num contorno imponente e delicado
Depois do sol brincar entre as nuvens num jogo de revela-esconde, dançando no corpo estendido na areia
Depois do mar virar um cobertor de espuma
Depois de um rio transparente se oferecer gelado e seduzir, não pelo aconchego, mas pela possibilidade da entrega ao possível desconforto e te fazer quente no meio de tanto frio, colocar teu sangue pra circular energia e calor e de todo medo e desconforto nascer a força, firmeza, conexão e comunhão

O que mais se pode querer senão ser o ser?
O que mais querer além de aceitar a valentia e brincar com os receios?

Mas há um certo cansaço. O cansaço do mediano pela ânsia do maior, do nunca antes navegado, dos territórios inexplorados, das possibilidades encantadoras do acaso e do inesperado.
Desejo de ir além.
Pois o pouco não alimenta e o raso não nutre.
Desejo de aprender
Como se aprende num fim de tarde a se atirar num rio, não como afirmação de nada, simplesmente abrindo os braços e mergulhando no fundo da água.




“Rather than love, than money, than fame, give me truth.”
Thoreau







*Ne plus ultra, do latim "não mais além".

Dedico as aguas do rio daquele pedacinho da Serra do Cacau.
E a Natureza, que amo profundamente e mais a cada dia.

domingo, 10 de maio de 2009

Alguns pensamentos sobre o amor


"O amor não é um sentimento, é uma habilidade"

do filme Dan in Real Life

A palavra amor está tão banalizada quanto seu próprio sentido. Ouço aqui e ali das mais variadas formas, para descrever as mais variadas situações, mas parece tão automático que fica como um uníssono vazio. Esse foi um dos motivos que me fizeram querer parar e aprofundar sobre o que é o amor, aquele elaborado, sentido, vivenciado, livre das superficialidades coletivas.

Descubro que amor é muito mais que esse frio na barriga, essa impulsividade, sensação de euforia. Isso pode ser um esboço de amor, uma paixão, e não precisamos subestimar o valor de uma boa paixão. A paixão nos movimenta, nos dá energia. E por ironia, descubro também que o amor está sempre lado a lado com a paixão, é questão de acessar, desmitificar, integrar de forma mais elevada todos os benefícios das motivações de uma paixão. Por exemplo, a disponibilidade que temos para o outro: encontramos tempo, ficamos sem dormir, fazemos coisas que nem gostamos tanto quando estamos apaixonados. Outra é como conseguimos ver qualidades positivas no outro, como relevamos e toleramos mais, como queremos mostrar nosso melhor.
É mais ou menos assim: podemos sentir paixão amando e amar apaixonados. O amor é algo mais autônomo e por isso difícil de desmitificar, parece muito distante de alcançar, tão divino quanto inacessível. Para mim o amor é sagrado e por isso mesmo ele está tão perto e disponível, não precisa ser tão idealizado. Pelo mesmo motivo, renegamos a paixão, tão mundana, tão fácil de acessar que parece algo inferior. O amor é realmente transcendente a paixão mas ele não exclui a paixão, um faz parte de outro, um pode dançar com o outro em sintonia, essa é a beleza.

Todos buscamos algo em troca, mesmo que inconscientemente e isso também não é um problema, ou torna menos digno o amor. Mas se nos mantivermos apenas nesse nível de perdas/ganhos perderemos o melhor do amor, que é a capacidade de ir além de si mesmo. Vivenciando o amor com essa maturidade, paramos de dar tanto valor ao sentimento de forma simplista, o que minimiza nossas carências e expectativas, e olhamos mais amplamente, olhamos a pessoa além do objeto e enfim, o ser além da pessoa, seu contexto, sua história. Infelizmente não é o que temos tanta disposição para fazer hoje em dia, pois queremos rápido, queremos mais e o melhor. Trocamos de relações de forma utilitária, buscando um ser perfeito que nos complete, nos traga felicidade, buscamos uma idealização, um significado, e não um sentido de amor. Agimos como crianças mimadas, vivendo nossas paixões de modo tão superficial que nos atemos mais ao que gostamos ou não, nos orgulhamos de sermos intolerantes com determinadas características do outro, nos afastamos ao primeiro sinal de desgosto, rejeição ou diferença. Por isso sofremos.

Mas o amor tem mais a ver com disposição e habilidade para estar junto do que qualquer outro mito que se possa criar, é muito mais simples do que estar com alguém simplesmente porque se ama. Amamos porque nos disposmos a estar com alguém e não o contrário. Minha experiência de casamento me mostrou isso. Sentir amor não segura nenhuma relação, mas a habilidade de amar e a disposição de estar junto sim, e isso foi o que fez com que fosse feliz até o fim.
Se quisermos aprofundar mais ainda sobre o amor, olhemos para as situações controversas a nossa vontade. Ao inesperado, dolorido, ao que incomoda, perturba  e ainda assim somos capaz de pensar amorosamente em alguém. Isso talvez seja o que Jesus disse de "oferecer a outra face". Oferecer o outro lado, que todos temos, o lado amoroso acima de tudo. O lado tolerante e compassivo de suportar o que é tão desagradável porque nos dispomos a seguir adiante num exercício amoroso da liberdade, uma liberdade genuína de poder ser e fazer qualquer coisa dentro da impermanência natural da vida e mesmo assim optarmos por seguir naquela direção.

O amor está além do medo, amplo, aberto, sem fronteiras, não há onde escorar e ao mesmo tempo ele nos protege sobre o ar, paradoxalmente ele nos sustenta no vácuo. Dessa forma nos tornamos hábeis e amamos. Amor é o que acontece enquanto, além de brincar, sustentamos.

É uma valente disposição de espírito.



"Talvez fosse melhor se a vida não trouxesse mudança - se pudéssemos confiar em que ela nos proporcionará felicidade duradoura.
Mas, se isso não é verdadeiro, uma compreensão calma e clara do que é verdadeiro -- nenhuma condição é permanente ou confiável -- enfraqueceria o ponto pelo qual o desejo nos agarra.
O sofrimento pode desvanecer-se no despertar, devido ao absurdo dos pressupostos que o sustentam. Sem reprimi-lo ou negá-lo, pode-se renunciar ao sofrimento do mesmo modo como uma criança renuncia a um castelo de areia: não reprimindo o desejo de construí-lo mas desviando-se de um esforço que já não desperta nenhum interesse."

Stephen Batchelor




Dedico a minha mãe, que me ensina muito sobre o amor e quem amo deveras.