domingo, 26 de abril de 2009

Sobre diversidade e igualdade


"Nosso medo mais profundo não é de não sermos bons o suficiente. Nosso medo mais profundo é o de sermos poderosos além das medidas. É a nossa luz, e não nossa escuridão o que mais tememos.
(...) Não há nada de iluminado nesse encolher-se, para que os outros não se sintam inseguros a nossa volta. Estamos aqui para irradiar como fazem as crianças. E a medida em que deixamos a nossa luz brilhar, inconscientemente damos aos outros permissão para que brilhem também. A medida que nos liberamos de nosso próprio medo, a nossa presença, automaticamente, libera os outros para que façam o mesmo."

Nelson Mandela


Assisto a "Milk - A voz da Igualdade" de Gus Van Sant. Sean Penn está absolutamente genial como Harvey Milk, garanto que sua atuação, pra começar , já vale o filme.
História que nos permite tomar contato com um universo tão diferente e ao mesmo tão semelhante as mesmas angústias e batalhas de qualquer minoria: ser visto como tal e qual, ter liberdade de poder circular sem abrir mão de sua individualidade.
Confesso que fiquei ao mesmo tempo fascinada e surpresa com a luta dos homossexuais para chegar ao simples direito de sair de mãos dadas pela ruas, não imaginava que  tivessem enfrentado reações tão nefastas devidamente legitimadas. Tenho muitos amigos(as) homossexuais e sempre me pareceu normal que transitassem com liberdade, apesar do grande preconceito que ainda existe. Isso me enche o coração de alegria, se hoje tudo parece mais "natural" é porque a luta de tantos foi tão autêntica que deixou esse legado.

Assim é com cada palavra que dizemos cada vez que queremos comunicar algo além da estreiteza de visão de uma maioria, como dizia Gandhi, nesse momento somos a revolução que queremos ver no mundo. A fala mais cativante e que representa esse pensamento no filme é :"Se um de vocês sair do armário, se uma pessoa se identificar com vocês, então seremos muitos em breve."
Essa é a importância de seguirmos em uma direção mais lúcida não apenas por nós, mas porque isso vai beneficiar muitos e até gerações seguintes. Podemos ter esse pensamento cada vez que subestimamos a força da atitude consciente. Isso vai de encontro com a frase de Mandela, permita-se ser livre do medo, não fazendo o que se quer apenas, mas livre para ser . Ou como Sartre colocava, que a liberdade é "legítima" quando a serviço da liberdade do outro.

Cada vez que damos um passo rumo a liberdade individual genuína, reconhecemos que o outro tem esse mesmo direito. Desse reconhecimento vem algo inclusivo que permite que todos exerçamos, um a um, sua liberdade individual.
Então qualquer assunto que trate de exclusão, me entristece. Esses acontecimentos me fazem pensar sobre a tolerância e as razões da intolerância num nível particular e coletivo, talvez seja mesmo muito duro olhar para o que julgamos "tão diferente" pelo mesmo motivo que é duro olhar para nossas próprias negatividades ou repressões. Não apenas pela diferença, mas pelo "desconhecido" que tememos. Se há algo de partida elevado, é começarmos a sair dos nossos "resorts" particulares e conhecermos mais os outros e o mundo.

Toda grande mudança exige posicionamento. Esse é um preço pago quando nos expomos e nos colocamos claramente, não temos controle como isso pode chegar ao outro. No caso de Milk, para mim fica claro o quanto a autenticidade da luta de Harvey confrontava violentamente a falta de substância do discurso de Dan e talvez seus desejos reprimidos. Harvey Milk talvez fosse tudo o que Dan gostaria de ser "fora do armário" e isso tenha sido muito indigesto de conviver, sendo a única saída pra essa angústia uma atitude extrema.
Portanto, na maioria das vezes o impacto da atitude de alguém que se posiciona na vida do outro não se refere especificamente 'a forma do discurso, mas a medida de quem ouve na proporção de sua própria consciência. Quanto maior a ignorância, maior o tamanho da explosão e portanto, da reação.

Esse filme me tocou por isso: Harvey Milk não lutou em causa própria e sim por todos. Não pelo ego de ser o primeiro gay a assumir um cargo público mas por ter finalmente a voz para representar não só os gays, mas muitos excluídos.





segunda-feira, 20 de abril de 2009

Ensinamentos Budistas


" Não olhem para mim, olhem para o que eu aponto."


Lama Padma Samten

Esse fim de semana teve retiro com o Lama Padma Samten no CEBB. Ensinamentos que caem suaves e perfeitos, mais uma vez são desconstruídos vários paradigmas, numa sequência de angústia e paz. O retiro além de profundo é sempre divertido. Encontro pessoas queridas com quem troco na mesma medida, uma mandala positiva dentro da loucura dessa vida. O Lama dessa vez estava muito direto e pontual (o que particularmente gosto muito) colocava o dedo na ferida e depois abria aquele sorrisão e fazia todo mundo cair na risada.
Ele enfatizou a necessidade de não perder tempo, colocar em prática os ensinamentos, verificar por nós mesmos o que dá certo ou não. E claro, a importância da meditação para estabilizarmos cada vez mais nossa energia e dirigirmos a mente. Afinal, Lama, praticantes, bebês, idosos, estamos todos no mesmo barco!

Tomo a liberdade de reproduzir algumas reflexões e dividi-las com vocês:

- O caminho mahayana, dentro do Budismo é o caminho da prática no mundo. Para praticar no mundo precisamos de um eixo, algo como uma espinha dorsal que sustente essa prática, uma motivação elevada de beneficiar todos os seres.

- O karma é trabalhado nas relações, por isso elas são tão desafiadoras. Precisa de um terreno fértil para o karma germinar e isso não acontece sozinho. Nossos karmas são sempre coletivos, estamos uns trabalhando com os outros já que ele depende de causas para surgir. Os karmas estão onde não queremos mexer, eles surgem como algo "natural" a que estamos "acostumados".

- É importante na vida que tenhamos um referencial elevado para todas as situações. Como uma mãe com um bebê, ela não precisa saber porque ele está chorando, ela pega o bebê no colo, dá uma "ajeitadinha" e tudo se acomoda. Precisamos cultivar essa capacidade de acomodar as situações, dar uma ajeitadinha ao invés de nos prendermos tanto as causas. Isso é posssível com bebês, mas quando se tratam de adultos acabamos por nos contaminar.
Seria bom "operarmos pelas costas". Que nossas atitudes tenham uma base além do que aparentam, as pessoas não aprendem conosco pelo que falamos, mas pelo que fazemos.

- É bom estar atento aos olhos utilitários que lançamos, o mundo hoje tem muito esses olhos, olhos que querem arrancar uns dos outros o tempo todo. O mundo econômico ilustra bem isso, estão todos pensando no "caixa", mais do que em gerar benefício aos outros. Mas não percebem que se a ótica for de gerar benefício estarão tão atentos as necessidades que produzirão o que as pessoas realmente necessitam, ou até o que venham necessitar, além de obterem lucro estarão fazendo algo positivo que não seja apenas para si. (Nesse momento me ocorreu que a pesquisa de tendências budista é muito mais efetiva e interessante que essas trends consultings rs)

- Hoje em dia notamos uma grande crise no valor das coisas, a fragmentação da confiança em determinados sistemas. O que é muito positivo para revermos o que realmente importa para andarmos no sentido de maior responsabilidade universal. (Ele deu o exemplo de Gaia Education).
Vivemos a crise de armazém, muitas empresas estocando produtos, alimentos, que crise é essa se existe tudo isso em abundância, se deteriorando em depósitos?
A simplificação da vida é a felicidade, a felicidade é a verdadeira subversão pois ela inclui olhar para o outro além de olhar pra si. Tudo que fazemos para nós mesmos não "vinga", se deteriora, podemos observar. O que fazemos também pelo outro germina, floresce.
Desejamos tantas coisas, nos apegamos tanto que não temos tempo! Se tempo fosse um produto com certeza muita gente consumiria! rs Imagine, quando usamos nosso tempo para coisas elevadas e não inúteis, sempre temos mais tempo.

- O propósito harmonizado com o Universo gera mandala positiva. Esse propósito sem harmonia gera paisagens. O propósito deve funcionar sem esforço, tendo uma boa motivação como base. Então direcionamos a energia para direcionar o corpo. Para direcionar a energia, precisamos direcionar a mente. A mente se relaciona as paisagens, uma natureza livre está acima das paisagens.

- Sem motivação correta, caimos no materialismo espiritual e aí praticamos para gerar e sustentar novas identidades. Por exemplo, praticamos como semi deuses que comparam sua prática com as dos outros todo tempo, praticamos por carência ou como os deuses, que se orgulham de não precisar praticar. É o caso das "multinacionais espirituais"(adorei esse termo ), que esquecendo a verdadeira motivação implantam espiritualidade, ao invés de levar benefício e compaixão. A motivação correta é beneficiar todos os seres, essa não tem erro.

- Nossa sabedoria primordial nos faz relacionar com as coisas sutis e não com as grosseiras. Encontramos nossa natureza original e somos livres.
Os sintomas são "artificialidades", tirando sua solidez, eles passam. Não há nada que não se possa transformar em lucidez. Mas a artificialidade usada para guiar para fora da artificialidade, é a artificialidade com dharma.

- A parte inicial do caminho é onde estamos. Se nada é sólido dentro do samsara, podemos resolver tudo na hora (liberdade imediata) sem precisarmos deixar passar tanto tempo agindo da mesma maneira negativa. É preciso não perder tempo, temos a disposição tudo o que precisamos, não deixemos passar. A sabedoria, a consciência é como um fruto maduro numa árvore, se não colhermos ele vai cair no chão.

- Estamos no poço da existência cíclica, entre o sofrimento e a liberação. As portas se abrem e se fecham o tempo todo. Então na hora das "crises", dos momentos difíceis, temos sempre a possibilidade de simplesmente abrir uma outra porta. Há sempre uma saída além de nós mesmos.

- Ao invés de deixar de olharmos para nossas vidas para que isso não doa e ficarmos olhando a vida dos outros como em "Big Brothers", vamos olhar as regiões escuras da nossa existência com o olho do dharma, o olho que purifica e transmuta.
Nossa vida é tão interessante! Nossa própria história é bem mais interessante, todos os dias temos tarefas a cumprir e os resultados surgem de acordo.

- Interessante como somos educados a ter um determinado estilo de vida que nos aprisiona de tal forma que faz com que "vivamos o fim de semana". Eu construo uma carreira, ganho dinheiro, adquiro coisas que desejo, que no fim das contas não vivo, além de alguns poucos dias na semana em que consigo "usufruir" alguma coisa rs.
Se devemos ter uma vida "simples" ou não no sentido concreto, não faz diferença. Posso usar um instrumento de 04 cordas ou um enorme piano, a diferença fundamental é a motivação com que uso aquilo. Por exemplo, S.S Dalai Lama não tem uma vida simples, ele tem muitos compromissos, muito a fazer. O importante é não perdermos tempo com coisas inúteis, pois não temos as coisas inúteis, elas que nos têm.



P.S: Dedico ao Lama Samten e a todas as pessoas que compartilharam esse momento auspicioso.



segunda-feira, 13 de abril de 2009

Se você se apaixonar por mim...


Se você se apaixonar por mim...

Tenha paciência com minhas confusões
Elas são apenas um pedido pra que eu me encontre
Muitas vezes um atalho sinuoso pra chegar em você

Entenda minha menina, coloque-a no colo na hora da tristeza
E não dê muita bola na hora da birra
Me faça um cafuné

Rasgue resistência por resistência e vá se deliciando com elas
Ao invés de questioná-las
Depois me renda e me tenha como se tem uma mulher

Não exija muito, não cobre, não dê muita vazão a posse e ao ciúme
Considere a imaturidade da minha malícia
e que muito do que parece definitivamente não é

Se você se apaixonar por mim

Saiba que em muitos momentos aprecio a solidão
E isso nada tem a ver com declinar sua adorável companhia

Movimente-se
Nem muito longe que não possa vê-lo
Nem tão perto que distorça
Esteja ao lado e nunca será muito nem pouco

Abra os braços
Aperte bem forte a minha mão
Segure na minha cintura

Não me analise tanto
Não me interprete a todo momento
Olhe além e contemple os sinais
Respire o perfume do mistério

Incorpore tudo isso escrito aqui
E delete da sua razão

Não tenha medo de abrir a porta
Ela não está trancada e tampouco precisa de força
Abra devagar, entre sutilmente e sinta todas as possibilidades
que existem nesse universo do eu, você , um mundo inteiro e nós


Se você se apaixonar por mim,
que seja doce esse fim





P.S: Texto meu publicado em 04/07/08.
Totalmente inspirado numa proposta da revista Marie Claire do ano passado. Foram convidados alguns homens para escrever uma carta fictícia a uma mulher apaixonada dizendo o que fazer ou não fazer para não estragar o romance. O título é "Se vc está apaixonada por mim, nunca..."
Como não acredito em nunca, mudei um pouco isso.

Dedico aos homens apaixonados.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Caos Calmo


"Um ser humano é parte de um todo que chamamos "o universo", uma parte limitada no espaço e no tempo. Ele sente a si próprio , seus pensamentos e emoções, como algo separado do resto - um tipo de ilusão de ótica da consciência. Para nós, essa ilusão é uma espécie de prisão, restringindo-nos a nossos desejos e afeições pessoais para com algumas pessoas mais próximas. Nossa tarefa deve ser a de nos libertarmos dessa prisão, ampliando nosso círculo de compreensão e compaixão, de modo que possa incluir em sua beleza todas as criaturas viventes e a totalidade da natureza."

Albert Einstein


Assisto a "Caos Calmo", do diretor Antonio Luigi Grimaldi, com Nanni Moretti (do ótimo "O quarto do filho"). Filme sublime: humano e tangível, que nos faz deixar de lado o espectador e sentar ao lado da personagem. Trata-se da história de Pietro, que perde a esposa enquanto salva a vida de uma outra mulher na praia. A partir disso, ele resolve viver a ausência e a dor deixando a filha todos os dias na escola e permanecendo na praça em frente a janela da sala de aula.

A atuação de Nanni é perturbadoramente visceral. O caos acontece ao redor, tudo desaba, o "irreversível" acontece. Mas Pietro parece se apoiar na parte "reversível", um luminoso "a partir de" diante da grande perda. Ao invés de se afundar em depressão, ele tenta se manter em pé por sua filha Cláudia. Ela se mantém como o pai, como se ambos estivessem lidando serenamente com o fato (como diz no filme, até uma certa idade os filhos reproduzem os sentimentos dos pais). Esse laço ao mesmo tempo que mantém a dor profunda velada, os fortalece pela cumplicidade.

Mas o mais interessante do filme é essa sensação que ele traz de uma bomba relógio iminentemente a explodir misturada a uma paz inexplicável. Ao invés de se recolher, Pietro se expõe numa praça. Não  solicitando ajuda e conforto como seria o mais comum. Ele fica imóvel, observa, interage, se interessa, conecta. Dessa forma, numa inversão surpreendente, ele é quem mais ajuda, ouve, fica a disposição do que qualquer outra coisa. Pietro se doa dentro da dor e sem perceber, a vida segue naturalmente fluida, a energia volta a circular e cria conexões positivas que fazem as pessoas quererem estar por perto, atraindo inclusive mulheres, trabalho, amigos.
Por estar ali, imóvel e presente, oferecendo de si sem precisar de palavras mas com a energia dessa presença, Pietro transforma a cada momento o caos em que vive. Como numa meditação profunda, onde tudo acontece lá fora, os barulhos, os sons, as nuvens no céu, mas algo se mantém estável, autônomo, firme.

Pietro vai renascendo a cada olhar de nascimento que ele lança. É um processo simultâneo. Alguma vez na vida já nos sentimos assim, a medida que enxergamos qualidades nas pessoas pelo olhar que lançamos a elas, renascemos positivamente. Não há forma mais bonita de se manter dentro do caos, sair de si mesmo mas respirar a dor, senti-la visceralmente em suas entranhas, olhá-la e depois a abraçá-la. Abraçando a dor você vai perceber que ela não é sua, mas de todos. A partir dela, pode-se renascer além dela. Assim podemos ressurgir no mundo de outra forma e permitir que outros também ressurjam sob uma outra perspectiva.

Não há nada mais interessante do que pessoas que vivem inteiramente suas vidas. Pessoas que você sente que estão por perto porque escolheram estar por perto, cuja conversa é dada com olho no olho, troca. São pessoas que não se deixam levar pela carência excessiva, pela necessidade de provar alguma coisa ou de receber alguma coisa. Pessoas que não apenas selecionam, escolhem. Estão presentes, não apenas juntas. Parceiras e não apenas companhias. Não apenas conversam, compartilham.
Elas mantêm algo cool, que dá vontade de estar por perto pelo acolhimento dessa presença, desse oferecer-se ao outro naturalmente. Pessoas assim passam uma integridade altamente sedutora e é isso que faz com que Pietro seja tão interessante, inclusive com as mulheres. Afinal, se ele toca o alarme do carro para agradar uma criança ele também é capaz de olhar uma mulher com todas as suas nuances. Se ele contempla a vida de forma tão inteira, assim será com as pessoas. Pietro vai fundo e por isso transborda. E por transbordar, conecta e atrai.

"Caos Calmo" não é um filme pra ser visto, é uma experiência a ser vivida. Ele inspira a querer parar quando o mundo está de cabeça pra baixo e apenas contemplar e apreciar. E depois levantar, leve e limpo, pois tudo sempre estará disponível dentro de si.

Quando estiver doendo muito se ofereça ao outro. Quando estiver muito alegre, se ofereça ao outro. Quando estiver indiferente, se ofereça ao outro.
Logo em seguida, dor, alegria e indiferença nada mais serão que nuvens no seu céu.





P.S: Dedico a todos os novos amigos, as relações positivas que surgem como verdadeiros presentes e me trazem plenitude.