terça-feira, 10 de março de 2009

Quem quer ser?


" I guess I knew the answers..." - Jamal Malik

Finalmente fui assistir "Slamdog Millionaire" traduzido como "Quem quer ser um milionário?", filme de Danny Boyle o mesmo diretor do ótimo Trainspotting.

Sem entrar muito no mérito formal, a edição e fotografia são os pontos fortes nesse sentido e as polêmicas das semelhanças com "Cidade de Deus" se reduzem a alguns takes, uma galinha e a fotografia "quente". Esse é um daqueles filmes que não consegui "rotular" de bom ou ruim, o que o tornou bem mais interessante. Isso se deu por algo curioso: enquanto estava sendo levada pelas emoções do drama de um lado B da Índia tão idealizada, onde miséria e violências de tantos tipos se mesclam com a beleza, era fisgada mas como se assistindo a uma novela. Lá pelo meio, meu olhar mudou e fez toda a diferença: atentei aos simbolismos e comecei a ver o filme como uma fábula pop, o que de alguma forma flexibilizou muito minha resistência e preconceito com a história.
Isso foi possível graças a ótima narrativa que "costura" as perguntas do TV Show com a crueza da vida real da personagem. O jogo dos dois lados, as dualidades, me trouxeram boas reflexões.

Jamal Malik cresceu nas favelas de Mumbai, onde passou por circunstâncias duras, cruéis. Durante o filme a gente vai descobrindo com Jamal as respostas que não temos, as que achamos que temos e as que queremos ter. Ele vive sua vida "respondendo o que perguntam", dizendo a verdade, numa simplicidade impressionante. Ora protegido pelo irmão Salim, ora por algum tipo de "redoma" que o cerca, ele atravessa as dificuldades com um caráter interessante, aquele que até comete deslizes pela sobrevivência mas que mantém algo de digno, puro, no íntimo.

Enquanto passa pela vida, Jamal não tem as respostas, até porque não há tempo para muitas perguntas para quem precisa imediatamente sobreviver. Em um game show, em que precisa das respostas, ele não sabe que sabe, mas por ter vivenciado muitas situações ele faz conexões com as perguntas e todas as respostas se abrem pra ele.
E no desfecho ele conclui que acha que sempre soube as respostas.

A história de amor que o move é sua parte "pura" representada por Latika. Ele se move em direção a Latika o tempo todo, ela o faz sair de si mesmo ou de apenas sobreviver. O amor por ela nada mais é do que o espelho dele mesmo. Jamal cresceu sabendo servir, fosse apenas para sobreviver ou por amar, talvez por isso ele tivesse essa espécie de "blindagem" ou "sorte".

Essa é nossa vida, questionamos o que nos acontece, ansiamos por respostas e mais, por dar a resposta certa. Buscamos das mais variadas formas encontrar algo fixo (seja uma verdade, uma realidade, uma pessoa, um milhão) que nos dê a segurança de que temos onde apoiar -nos por um bom tempo ou uma vida inteira.
Na "hora da verdade", é como se não soubéssemos de nada, ignoramos tudo que já vivenciamos, quando não nos arrependemos, culpamos, lamentamos, como se o futuro fosse encarregado de dar algum parecer final que nos acalente a alma.
Não há parecer final senão a partir do que foi vivido e essa é a grande sacada que o filme me mostrou. No fim das contas, seja lá onde cheguemos, chegamos por percorrer um caminho e esse caminho fica mais leve se não nos preocuparmos tanto em dar a resposta certa, ganhar ou perder. Talvez isso acabe determinando o que "está escrito" ou a "sorte". Se estava escrito, Jamal foi co-autor dessa história o tempo todo.
Grande parte do tempo estamos como num game show onde corremos atrás de um prêmio e nos colocamos a perguntar e a responder ao mesmo tempo. Mas não temos as respostas, vivemos as respostas. Assim como não chegaremos a nenhum lugar, o lugar é o caminho, essa é uma interessante ironia.

Na minha opinião o melhor do filme é isso: como uma bela fábula ele nos tira um pouco do nosso microcosmo e nos conduz além. O mito de todos nós na comum figura de um "garoto do chá".

E no final a esperança, a esperança real de se viver a vida que se tem.
Esse é o grande prêmio.




"Ser ambicioso na prática do paramita é uma preparação para o fracasso. Quando desistimos da esperança de fazer tudo direito e do medo de fazer errado, compreendemos que tanto ganhar quanto perder são aceitáveis. Em qualquer dos casos, nada temos a que nos apegar.
De momento a momento, estamos viajando para a outra margem." Pema Chodron


P.S: Dedico a querida Renata, uma das trocas mais preciosas que há.
Dedico ao grande medo e êxtase das respostas que não tenho.

4 comentários:

Anônimo disse...

Oi linda!!!! Eu achei o filme bem envolvente mas um pouco cansativo..Gostei do seu blog ;-)
bjs

Unknown disse...

Oi, Ale.

Eu ainda não assisti ao filme, mas a seu comentário é simplesmente maravilhoso! Me causou uma imensa vontade de assistir!
Eita, você é muito boa em fazer comentários críticos, hein?
Beijo grande!
Carinho.
Roberto

Estêvão dos Anjos disse...

Já li algumas resenhas sobre o filme e publiquei uma em meu blog, mas nenhuma trouxe de forma tão simples uma interpretação que parece captar a esseência do filme, as outras se deparavam em aspectos técnicos ou na realidade indiana, você apresentou uma nova ótica, parabens.

Alê Marcuzzi disse...

Obrigada a todos pelos comentários, esse feedback é fundamental e motivador!

bjs