"Às vezes, conversava com meu pai sobre sonhos que eu acalentava e que implicariam mudanças grandes na minha vida.
Ele me escutava e, em geral, concluía: "Só que não basta sonhar, é preciso ter coragem".
Em suma, havia uma infelicidade específica que ele não queria para mim, a de quem cultiva seus desejos como se fossem "apenas um sonho", sem ter a ousadia de tentar vivê-los."
Contardo Calligaris
P.S: Dedico a Pema Chodron que tem me ensinado muito sobre os lugares que assustam.
Aos ensinamentos do Lama Padma Samten, que me ajudam nos lapsos de lucidez
A todos os amigos pelo aprendizado e troca.
Ele me escutava e, em geral, concluía: "Só que não basta sonhar, é preciso ter coragem".
Em suma, havia uma infelicidade específica que ele não queria para mim, a de quem cultiva seus desejos como se fossem "apenas um sonho", sem ter a ousadia de tentar vivê-los."
Contardo Calligaris
Revolutionary Road, traduzido para o português como "Apenas um sonho", ótimo filme de Sam Mendes com Kate Winslet e Leonardo di Caprio (excelentes). Desde "Beleza Americana" (do mesmo diretor), passando por "Pecados Íntimos" (com Winslet) um drama não me impactava tanto.
O filme trata de temas relevantes e delicados. Para começar de hipocrisia, das nossas "loucuras" não sublimadas, desejos embaixo do tapete que alimentam um lado sombrio que passa a ser um monstro que nos acompanha (quando nós mesmos não nos tornamos o monstro). Hipocrisia representada pelo esteriótipo de "propaganda de margarina" criado pelo "american way of life", onde ter um emprego bem sucedido, uma linda casa, a perfeita família e tudo de status que possa reforçar essa imagem é o grande sonho a ser realizado. Hoje, com essa crise que teve início como consequência desse "american dream", um país quebrado, onde o consumo e o endividamento exagerado chegaram ao ápice, talvez seja um bom momento para questionar com mais profundidade nossos desejos, o que realmente vale almejar.
April é frustrada por não ter sucesso como atriz. Quando se apaixonou por Frank, apaixonou-se pela idéia de que eram um casal muito especial capaz de fazer qualquer coisa. Frank não queria acabar como seu pai e sempre se questionou sobre o que realmente queria fazer na vida, talvez tenha se apaixonado pela mesma idéia quando conheceu a impetuosa April.
O tempo passa e eles se tornam exatamente comuns. Como é desconfortável ser comum, não ser especial, não ter histórias e feitos fabulosos para contar, mostrar aos vizinhos, algo que te diferencie dos outros de alguma forma, te dê um brilho diferente.
O sonho de morar em Paris, a possibilidade de realizar essa "loucura" e se tornar diferente de toda aquela gente os une numa nova paixão: um idealismo "infantil". Infantil pela falta de consistência e coragem de concretizá-lo. Quando os fatos começam a minar esse plano tem-se o climax do que o desejo e a falta de coragem podem realizar, de fato.
Há duas questões que se entrelaçam de forma muito sutil: é um grande problema almejar uma vida radicalmente diferente? Ou é um grande problema não aceitar a vida que se tem e sempre querer mais? Quem está certo? A "loucura" que April quer perseguir ou o "comodismo" de Frank?
Eu, pessoa quase sempre impetuosa, questionadora e cheia de idéias mirabolantes posso dizer que há diversas nuances. Já tive meus rompantes de querer dar um grande salto radical sonhando com uma vida extraordinária em outros países. Já dei um salto radical em mudar de uma profissão que eu gostava mas me sentia oprimida e infeliz por outra totalmente diferente e que me dá grande alegria (mas não menos trabalho...)
Descubro que a questão não é fazer o que se gosta, simplesmente. E é bem menos buscar somente o que nos dê prazer. Hoje observo que tem muito mais a ver com pagar o preço e fazer o que tem que ser feito.
Dessa forma, Frank estava mais "de acordo" com sua comodidade. Pagava o preço dia a dia de fazer o que não gostava fazendo o "que tem que ser feito" que é sustentar sua família, prover o melhor dentro do que aprendeu ser o estilo de vida desejável e socialmente bem aceito. April, sonhando com o futuro sempre, guardava todo ressentimento e frustração, jogando muitas vezes a responsabilidade dessa mudança para Frank. Mas também era capaz de desejar um emprego em Paris que a permitisse sustentar o marido e deixá-lo a vontade para descobrir o que queria fazer da vida...
Talvez o que faltasse a eles fosse um olhar de transgressão dentro do mainstream, uma liberdade de ser uma "família propaganda de margarina" não sendo uma família propaganda de margarina. É o que tenho aprendido muito com o budismo, esse brincar, dançar com as identidades e não simplesmente rejeitá-las ou se grudar nelas.
Talvez April pudesse ser algo além de atriz e dona-de-casa. Talvez Frank pudesse usar todo o sacrifício que era trabalhar naquela empresa fazendo viagens (a Paris inclusive) e pequenas "loucuras" no dia a dia mais além de transar com a secretária.
Faço um parênteses curioso: imaginando a possibilidade de não viver mais aquela vida, Frank trabalha muito melhor a ponto de receber uma proposta de promoção e April se abre bem mais a Frank a ponto de terem uma vida conjugal/familiar muito mais leve. Não é irônico que sem ter sequer viajado a Paris a vida deles já tenha se modificado espontaneamente?
Não é uma cidade, uma situação econômica, um marido, filhos que nos prendem. É nossa falta de perspecrtiva ampla, de nos olharmos além de executivos, pais, filhos, mulheres, atrizes, donas de casa. É nossa visão limitada de poucas possibilidades que nos encouraçam, e essa cabe apenas a nós mesmos transformar. E isso exige coragem e tem um preço.
Não a toa Paris é bem mais motivante, é muito menos dolorido imaginar uma vida em Paris a ter coragem de olhar para si mesmo.
O filme trata de temas relevantes e delicados. Para começar de hipocrisia, das nossas "loucuras" não sublimadas, desejos embaixo do tapete que alimentam um lado sombrio que passa a ser um monstro que nos acompanha (quando nós mesmos não nos tornamos o monstro). Hipocrisia representada pelo esteriótipo de "propaganda de margarina" criado pelo "american way of life", onde ter um emprego bem sucedido, uma linda casa, a perfeita família e tudo de status que possa reforçar essa imagem é o grande sonho a ser realizado. Hoje, com essa crise que teve início como consequência desse "american dream", um país quebrado, onde o consumo e o endividamento exagerado chegaram ao ápice, talvez seja um bom momento para questionar com mais profundidade nossos desejos, o que realmente vale almejar.
April é frustrada por não ter sucesso como atriz. Quando se apaixonou por Frank, apaixonou-se pela idéia de que eram um casal muito especial capaz de fazer qualquer coisa. Frank não queria acabar como seu pai e sempre se questionou sobre o que realmente queria fazer na vida, talvez tenha se apaixonado pela mesma idéia quando conheceu a impetuosa April.
O tempo passa e eles se tornam exatamente comuns. Como é desconfortável ser comum, não ser especial, não ter histórias e feitos fabulosos para contar, mostrar aos vizinhos, algo que te diferencie dos outros de alguma forma, te dê um brilho diferente.
O sonho de morar em Paris, a possibilidade de realizar essa "loucura" e se tornar diferente de toda aquela gente os une numa nova paixão: um idealismo "infantil". Infantil pela falta de consistência e coragem de concretizá-lo. Quando os fatos começam a minar esse plano tem-se o climax do que o desejo e a falta de coragem podem realizar, de fato.
Há duas questões que se entrelaçam de forma muito sutil: é um grande problema almejar uma vida radicalmente diferente? Ou é um grande problema não aceitar a vida que se tem e sempre querer mais? Quem está certo? A "loucura" que April quer perseguir ou o "comodismo" de Frank?
Eu, pessoa quase sempre impetuosa, questionadora e cheia de idéias mirabolantes posso dizer que há diversas nuances. Já tive meus rompantes de querer dar um grande salto radical sonhando com uma vida extraordinária em outros países. Já dei um salto radical em mudar de uma profissão que eu gostava mas me sentia oprimida e infeliz por outra totalmente diferente e que me dá grande alegria (mas não menos trabalho...)
Descubro que a questão não é fazer o que se gosta, simplesmente. E é bem menos buscar somente o que nos dê prazer. Hoje observo que tem muito mais a ver com pagar o preço e fazer o que tem que ser feito.
Dessa forma, Frank estava mais "de acordo" com sua comodidade. Pagava o preço dia a dia de fazer o que não gostava fazendo o "que tem que ser feito" que é sustentar sua família, prover o melhor dentro do que aprendeu ser o estilo de vida desejável e socialmente bem aceito. April, sonhando com o futuro sempre, guardava todo ressentimento e frustração, jogando muitas vezes a responsabilidade dessa mudança para Frank. Mas também era capaz de desejar um emprego em Paris que a permitisse sustentar o marido e deixá-lo a vontade para descobrir o que queria fazer da vida...
Talvez o que faltasse a eles fosse um olhar de transgressão dentro do mainstream, uma liberdade de ser uma "família propaganda de margarina" não sendo uma família propaganda de margarina. É o que tenho aprendido muito com o budismo, esse brincar, dançar com as identidades e não simplesmente rejeitá-las ou se grudar nelas.
Talvez April pudesse ser algo além de atriz e dona-de-casa. Talvez Frank pudesse usar todo o sacrifício que era trabalhar naquela empresa fazendo viagens (a Paris inclusive) e pequenas "loucuras" no dia a dia mais além de transar com a secretária.
Faço um parênteses curioso: imaginando a possibilidade de não viver mais aquela vida, Frank trabalha muito melhor a ponto de receber uma proposta de promoção e April se abre bem mais a Frank a ponto de terem uma vida conjugal/familiar muito mais leve. Não é irônico que sem ter sequer viajado a Paris a vida deles já tenha se modificado espontaneamente?
Não é uma cidade, uma situação econômica, um marido, filhos que nos prendem. É nossa falta de perspecrtiva ampla, de nos olharmos além de executivos, pais, filhos, mulheres, atrizes, donas de casa. É nossa visão limitada de poucas possibilidades que nos encouraçam, e essa cabe apenas a nós mesmos transformar. E isso exige coragem e tem um preço.
Não a toa Paris é bem mais motivante, é muito menos dolorido imaginar uma vida em Paris a ter coragem de olhar para si mesmo.
P.S: Dedico a Pema Chodron que tem me ensinado muito sobre os lugares que assustam.
Aos ensinamentos do Lama Padma Samten, que me ajudam nos lapsos de lucidez
A todos os amigos pelo aprendizado e troca.