"Deixai-me limpo
O ar dos quartos
E liso
O branco das paredes
Deixai-me com as coisas
Fundadas no silêncio"
O ar dos quartos
E liso
O branco das paredes
Deixai-me com as coisas
Fundadas no silêncio"
Sophia de Mello Breyner Andresen
Óculos. Primeiro (como sempre) relutei muito, meus olhos entre quadro paredes! Depois de um tempinho percebi que isso não era nada, a maior prisão está no meu olhar...
Cansaço pra enxergar bem de perto, a visão enxerga muito bem, mas não vê claro de perto. Segundo o oculista, a visão é o sentido que mais exige do cérebro. Segundo a acupuntura, a visão corresponde ao fígado (relacionado entre outras coisas com a emoção raiva). Segundo alguns bons, não estou percebendo muita coisa que está na minha cara, falta foco.
Minha mente me deixa com vertigem, minha raiva, tão domadinha, está como uma cobra deslizando dentro de mim aqui e ali. Não agüento mais pensar.
Pra isso tenho fechado mais os olhos, mas a maioria das vezes não adianta porque saio da realidade, é bom, mas paliativo. Na meditação, ajuda um pouco mais... mas de olhos abertos.
Vejo de longe o passado e tenho um certo ressentimento de não ter feito mais, bem mais do que fiz por conta de algumas precauções. É bom olhar assim de longe, pois se aproximar um pouco, a lente turva e eu caio pra um certo niilismo e culpa. Olhar o futuro já me leva ao hedonismo, possibilidade de mil loucuras, sem muito limite, do jeitinho que meu idealismo gosta.
De todos esses focos, só há um: AGORA. Agora é realidade, maybe sad but true. Daqui pra trás estão os passos dados, os tropeços, as alegrias, pra chegar aqui. Daqui pra frente, acertar a lente pode ser um ótimo começo pro inesperado, como um bom trekking. Agora é o real, cru, limite. Agora é sem dramas, simples, claro, como uma parede branca. Muito mais livre que qualquer passado ou futuro, ao contrário do que meus olhos estavam enxergando.
Ouço de alguém que é bom ir a fundo na dor, que a partir disso a gente se conhece melhor e é como um poder que ninguém te tira mais. Não um poder de orgulho , mas de vida humana. Passei boa parte da vida indo fundo na dor, não seria difícil fazer isso mais algumas vezes. Se me conheço melhor? Não sei. Sei que talvez tenha cultivado um vício maldito de ir até o limite. E de limite em limite, algumas cicatrizes em mim e nos outros e outras vezes algumas superações. Sim me sinto mais forte, mas hoje não é isso que valorizo, pra minha própria decepção...
Hoje, agora, aqui, de cabelos molhados, com um sorriso quase sereno e pouca roupa, quero paz.
Como disse essa mesma pessoa, não quero mais me machucar. Sentada aqui, com o corpo e a idade de hoje, sentindo por causa de um óculos o tempo passar, quero tranquilidade e as coisas mais banais e simples, e as mais difíceis de assumir. Quero ser amada sim, quero amar mais ainda, quero respirar e ser respiração. Quero tatear, canto por canto como no baile de ontem cheio de casais dançando. Tatear, sentir o cheiro, sentir o gosto. E quero ser tateada, fresta a fresta, até que não me reste um tipo de medo e orgulho sequer.
Estou cansada de ver, porque vejo demais, minha visão extraordinária me cansa. Não suporto mais ver a fraqueza dos outros e a minha própria com requintes de detalhes. Não suporto mais ver o melhor nas pessoas e tentar explicá-lo falando pro vazio. Quero cuidar da minha vida.
Assistam "Ensaio sobre a Cegueira". O livro já é belo porque Saramago tem beleza anyway. O filme é uma boa visão, aquilo que podemos ou não nos tornar numa cegueira branca. Mas a mais bela visão são as mulheres, incrível, nem Mark Ruffalo nem Gael conseguiram tirar minha atenção das mulheres. Aquela cena meio idílica talvez seja uma das boas utilidades de um par de olhos, ver a capacidade de amor, compaixão, sutileza existente no feminino. Mulheres despidas cuidando uma da outra, tive uma sensação forte e feliz do ser mulher.
A cena onde a mulher do médico flagra o sexo e numa cumplicidade surpreendente diz pra garota: "Eu vejo" e a abraça, é alguma coisa. Me identifiquei aqui e ali, eu fui capaz de algo parecido alguma vez, talvez da pior vez e essas são algumas das boas coisas de se olhar pra um filme e as vezes, pra trás...
De qualquer forma, com tantas palavras, o melhor está no silêncio. De tantas coisas, fico com o lençol branco. De tantas pessoas, o melhor está nos espaços entre nós. São esses espaços, vãos, vazios, que vão fazer a gente se encontrar pela vida, um dia.
P.S: Ah, olha que ironia, os óculos não foram mais necessários e descansam na gaveta, foi diagnosticado estresse temporário, depois que passou a visão voltou ao normal! (mas de vez em qdo eu brinco com os óculos, porque acho charmoso usar ;-)
Dedico as excelentes companhias que são gente, filmes, pernas, flores e gatos... (não necessariamente nessa ordem)
Um comentário:
grades nos olhos.
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