"Todo abismo é navegável a barquinhos de papel." - Guimarães Rosa
O primeiro texto Viajar Rezar Amar tratou de uma parte da minha vida permeada por uma grande "sede" de viver, encontrar prazer, desbravar o desconhecido, enfrentar medos. Com o referencial de hoje posso dizer que foi uma fase caracterizada pela avidez que acontece quando estamos numa espécie de morte e nos agarramos a tudo o que possa significar estar viva. Por sorte, a base de espiritualidade e o interesse por humanidade sempre foram minhas principais buscas e só por isso pude vivenciar um outro momento que é do que se trata esse segundo texto.
O título para fazer um paralelo mais profundo só poderia ser "Pensar Contemplar Repousar", uma prática que aprendi no CEBB e que tenho usado na vida em situações variadas. Naturalmente fui criando o hábito de pensar argumentando comigo mesma vários pontos de alguma questão; contemplar, observando não só o "fato" mas como minha energia respondia aquele impulso e finalmente repousar, a partir de um silêncio e espaço entre os dois momentos anteriores, simplesmente relaxar, estar presente e entregar (a parte mais desafiadora, admito). Um pouco desse processo está relatado nesses dois textos de 2010.
Com a imersão no silêncio e na solitude, surgiu uma maior consciência da minha responsabilidade sobre minha vida e de que mesmo que eu quisesse o que estava vivendo não poderia ser transferido a ninguém. Tomei maior contato com algumas mentiras que vinha contando a mim mesma, cartões de visita que estava me esforçando para sustentar, conceitos que defendia com muita convicção e ironicamente me vi numa crise existencial bem parecida com aquela relatada antes do fim do casamento. Então aconteceu um natural aprofundamento na espiritualidade, principalmente através do Budismo, a direfença foi a mudança cada vez mais sutil de visão e o suporte de uma base bem mais sólida para poder compreender e seguir perdendo menos tempo.
O principal compartilhar em relação ao "Comer Rezar Amar" é o seguinte: costumamos idealizar os grandes feitos alheios, como o de Liz com suas viagens, o casamento daquela amiga que você acha sortuda por ser um casal perfeito, o emprego dos sonhos que você acha que alguém tem ou aquela "virada" de vida que alguém deu e você se pergunta como não foi capaz de fazer o mesmo. Podemos admirar tudo isso, mas há sempre um asterisco que leva a um rodapé que deixamos de lembrar: de perto tudo é um tanto diferente, há nuances humanas muito particulares vividas por cada um por trás dessa "embalagem" de idealizações alheias. E que o melhor referencial que podemos ter para a realidade é a partir da nossa própria história.
'As vezes achamos que para uma "virada" acontecer temos de tomar atitudes radicais, no entanto, o que vejo é que não é tão necessário que o externo mude para que aconteçam as grandes transformações. Como diz o Lama Padma Samten "não é necessário mudar nada, apenas adicionar lucidez no exato lugar onde está." Dependendo do tipo de olhar que você cultivar, tudo pode ser transformado do ponto em que você está da forma como se apresenta. Com um olhar mais amplo diante das situações o panorama muda tanto quanto mudar de país. Isso me fez sorrir ao assistir o filme, um dos meus maiores sonhos era viajar o mundo ou tirar um ano sabático como Liz e mesmo assim vivenciei tanto daquilo sem sair do local físico onde, inclusive, toda dor havia sido encenada.
Minha visão estava se transformando, a maior viagem era exatamente essa.
Mas dependendo do ponto em que estamos na vida, 'as vezes é realmente necessário mudar o externo para termos as experiências vivas de tudo que cognitivamente já “saibamos”. Ou aquilo já esteja tão incorporado em nossa vida que naturalmente a mudança externa aconteça. Enfim, um dos grandes aprendizados desses tempos é que não é bem a forma como as coisas se apresentam o que mais importa, mas o ponto onde estamos, com qual consciência, qual a motivação que move nossas escolhas e a qualidade de presença que temos em vivenciar qualquer coisa AGORA.
Cada um tem um caminho com o qual tem mais afinidade, eu tenho pelo dos que gostam de desbravar, estar no mundo com tudo que isso inclui é fascinante para mim. As descobertas são maravilhosas porém há um grande despendimento de energia, caso não saiba direcioná-la. Muitas vezes esses desbravamentos eram como um "vício", um desejo de adrenalina compensadora da anestesia da apatia. Só a "pausa" é que me fazia tomar contato com as limitações e contrariedades que colocavam em cheque as idealizações e desejos, principalmente sobre mim mesma.
Dessa forma, eu era muito mais vulnerável ao externo e a cada desgaste de energia que acontecia com as frustrações precisava de mais pra dar sentido a todas aqueles desejos e papéis, o que tornava a "busca" um círculo viciante e vicioso.
Atualmente procuro acolher o que surge como parte de um momento e lançar mão da forma como um meio e não um fim. Ainda assim, caio, tropeço, sofro, questiono, enlouqueço mas a cada nova visão, experimento alguma autonomia muito sutil que vai e vem como uma lente, conforme me aproximo ou me afasto.
Gratidão a todos que não desistiram e não desistem de mim, meu carinho e respeito :-)
Convido vocês a ouvirem mais músicas: uma do Neil Young também presente no filme "Comer Rezar Amar" (minha música da vida) e outra do Paul McCartney que diz muito sobre esses pequenos despertares aqui compartilhados ;-)
O principal compartilhar em relação ao "Comer Rezar Amar" é o seguinte: costumamos idealizar os grandes feitos alheios, como o de Liz com suas viagens, o casamento daquela amiga que você acha sortuda por ser um casal perfeito, o emprego dos sonhos que você acha que alguém tem ou aquela "virada" de vida que alguém deu e você se pergunta como não foi capaz de fazer o mesmo. Podemos admirar tudo isso, mas há sempre um asterisco que leva a um rodapé que deixamos de lembrar: de perto tudo é um tanto diferente, há nuances humanas muito particulares vividas por cada um por trás dessa "embalagem" de idealizações alheias. E que o melhor referencial que podemos ter para a realidade é a partir da nossa própria história.
'As vezes achamos que para uma "virada" acontecer temos de tomar atitudes radicais, no entanto, o que vejo é que não é tão necessário que o externo mude para que aconteçam as grandes transformações. Como diz o Lama Padma Samten "não é necessário mudar nada, apenas adicionar lucidez no exato lugar onde está." Dependendo do tipo de olhar que você cultivar, tudo pode ser transformado do ponto em que você está da forma como se apresenta. Com um olhar mais amplo diante das situações o panorama muda tanto quanto mudar de país. Isso me fez sorrir ao assistir o filme, um dos meus maiores sonhos era viajar o mundo ou tirar um ano sabático como Liz e mesmo assim vivenciei tanto daquilo sem sair do local físico onde, inclusive, toda dor havia sido encenada.
Minha visão estava se transformando, a maior viagem era exatamente essa.
Mas dependendo do ponto em que estamos na vida, 'as vezes é realmente necessário mudar o externo para termos as experiências vivas de tudo que cognitivamente já “saibamos”. Ou aquilo já esteja tão incorporado em nossa vida que naturalmente a mudança externa aconteça. Enfim, um dos grandes aprendizados desses tempos é que não é bem a forma como as coisas se apresentam o que mais importa, mas o ponto onde estamos, com qual consciência, qual a motivação que move nossas escolhas e a qualidade de presença que temos em vivenciar qualquer coisa AGORA.
Cada um tem um caminho com o qual tem mais afinidade, eu tenho pelo dos que gostam de desbravar, estar no mundo com tudo que isso inclui é fascinante para mim. As descobertas são maravilhosas porém há um grande despendimento de energia, caso não saiba direcioná-la. Muitas vezes esses desbravamentos eram como um "vício", um desejo de adrenalina compensadora da anestesia da apatia. Só a "pausa" é que me fazia tomar contato com as limitações e contrariedades que colocavam em cheque as idealizações e desejos, principalmente sobre mim mesma.
Dessa forma, eu era muito mais vulnerável ao externo e a cada desgaste de energia que acontecia com as frustrações precisava de mais pra dar sentido a todas aqueles desejos e papéis, o que tornava a "busca" um círculo viciante e vicioso.
Atualmente procuro acolher o que surge como parte de um momento e lançar mão da forma como um meio e não um fim. Ainda assim, caio, tropeço, sofro, questiono, enlouqueço mas a cada nova visão, experimento alguma autonomia muito sutil que vai e vem como uma lente, conforme me aproximo ou me afasto.
De uma pessoa que tinha tantas opiniões formadas passei a ser aquela que as vezes apenas sorri e diz, "não sei", "ou não", "talvez" e que cada vez sabe menos o que é bom ou ruim depois de tantos conceitos ruídos, de tanto bem e mal que trocaram de lugar e de tanto que "paguei a língua", hoje penso um tanto mais antes de concluir algo. A impermanência tem sido um belo mestre, é no meio dessas diversas temperaturas de energia que temos a oportunidade de fazer valer todos os ensinamentos espirituais a ponto de encarná-los.
Aconteça o que acontecer, é positivo estar aberto a vida do jeito que ela é, ter um olhar lúdico e buscar, como alguém já disse, não apenas um sentido para a vida mas uma vida com sentido. Então uma viagem ao mundo terá outro sabor que não de apenas um desejo turístico realizado, um casamento pode ter uma outra proposta que não apenas um projeto, uma "virada" de vida um foco em crescimento e compartilhar e não apenas aprovação externa, a espiritualidade não apenas um lazer ou nova "identidade" mas um recordar do que já existe em nós e simplesmente não enxergamos por uma visão turva. E isso não significa colocar óculos cor de rosa ou trocar a lente, mas algo maior: não precisar de nenhum artíficio ótico além da visão clara e ampla da realidade, mas de um referencial mais elevado.
Aconteça o que acontecer, é positivo estar aberto a vida do jeito que ela é, ter um olhar lúdico e buscar, como alguém já disse, não apenas um sentido para a vida mas uma vida com sentido. Então uma viagem ao mundo terá outro sabor que não de apenas um desejo turístico realizado, um casamento pode ter uma outra proposta que não apenas um projeto, uma "virada" de vida um foco em crescimento e compartilhar e não apenas aprovação externa, a espiritualidade não apenas um lazer ou nova "identidade" mas um recordar do que já existe em nós e simplesmente não enxergamos por uma visão turva. E isso não significa colocar óculos cor de rosa ou trocar a lente, mas algo maior: não precisar de nenhum artíficio ótico além da visão clara e ampla da realidade, mas de um referencial mais elevado.
Fazendo o paralelo final com o filme, hoje meu verbo também poderia ser "atravessiamo" mas não mais simplesmente para provar quantos medos sou capaz de superar, quantas viradas sou capaz de dar, o quanto posso me relacionar afetivamente ou como posso viver sozinha e ser independente. "Atravessiamo" tem um sentido bem mais profundo pra mim, outro maravilhoso ensinamento budista: o Prajna Paramita, "sabedoria de alcançar a outra margem." Atravessar meus próprios obstáculos, minha instabilidade, minhas próprias negatividades, minha criança mimada. Não desistir de alcançar a outra margem que sequer vejo mas sinto seu perfume. Uma margem de felicidade do que está além dos conceitos, pois tornou-se.
Antes eu desejava a liberdade de poder viajar o mundo, hoje aspiro a liberdade de mente dentro desse mundo. Antes era necessário um iate ou um navio, hoje basta apenas um barquinho de papel...
Gratidão a todos que não desistiram e não desistem de mim, meu carinho e respeito :-)